domingo, 3 de junho de 2012

PC do B perde Julio Bezerra, militante histórico em Mato Grosso


Acabo de saber da morte do meu amigo e camarada Julio Bezerra. Seu falecimento me deixou muito triste.
Impossível não lembrar dos momentos que passamos juntos, nas reuniões partidárias, nas campanhas eleitorais, nos embates políticos e ideológicos que travamos juntos dentro e fora da vida partidária, no movimento social.
Julio Bezerra sempre foi um exemplo de luta para todos os militantes do PC do B de Mato Grosso. Nunca arredou o pé das batalhas, mesmo nas situações mais difíceis que a sua vida pessoal lhe impunha.
Além disso, uma de suas características era o sempre bom humor, a malícia jovial, sua alegria e serenidade e o seu jeito de menino, mesmo do alto de seus mais de 70 anos.
Em 2009, se não me engano a data, Julio Bezerra foi homenageado na Conferência Regional do PC do B, que levou o seu nome. Fui designado pelo Comitê Regional a reportar sua trajetória de vida e apresentá-la na conferência.
Foi um dos momentos mais emocionantes de minha vida.
Transcrevo abaixo o texto que escrevi à época:

Um eterno menino lutador

Feira de Santana, Bahia, 1949.
Um menino de 14 anos chama a atenção em meio a pouco mais de duas dezenas de retirantes que lotam um pau-de-arara que saiu três dias antes de Palmeiras do Garanhuns, Pernambuco, rumo a São Paulo.
Palmeiras de Garanhuns é município vizinho de Garanhuns, no agreste pernambucano, terra onde nasceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O menino desperta atenção quando o velho fenemê quebrou o motor e motorista e passageiros são abordados por soldados do Exército.
O menino é o único que está sozinho, sem família. Por isso logo após uma vistoria dos soldados ele acaba sendo retirado para o quartel. Só é liberado após 15 dias, quando se confirmou sua ida à casa do avô que morava na linha sorocabana, no interior paulista.
Quando decidiu deixar a casa num sítio da família onde morava com o pai, a madrasta e onze irmão, o menino sofria horrores nas mãos da ex-empregada da família que acabou ocupando o lugar da mãe que falecera um ano antes.
Trabalhava cuidando do gado e outros bichos, lavrando a roça, com os pés descalços e sem leitura.
Passava fome porque a madrasta escondia comida e levava quase que uma surra por dia do pai que acreditava nas intrigas perpetradas pela mulher.
Então resolveu fugir e saiu em busca do avô e do tio e do irmão mais velho que moravam no interior paulista.
A parada obrigatória em Feira de Santana foi apenas um dos percalços da viagem.
Enfrentou fome, frio, calor, mosquitos e a sempre ameaça de ser descoberto e encaminhado de volta para casa. Por onde passava, a sensibilidade dos soldados baianos não era sentida.
O destino era Itatinga, onde estaria o avô.
Chegou num tempo difícil. Naquela época estava proibido o povo nordestino ir para São Paulo.
Ficou mais oito dias retido na imigração, órgão que controlava a chegada dos retirantes nordestinos.
Liberado, foi trabalhar numa fazenda em Itatinga enquanto tentava localizar o avô. Trabalhava carpindo roça, num trabalho estafante, em condições degradantes e, pior, sem remuneração. Passou o primeiro mês. O segundo, o terceiro até que no quarto foi cobrar o salário e descobriu que não tinha. Era um escravo.
Com a roupa do corpo e descalço, como chegou, decidiu fugir.
Numa noite escura escapou e andou quilômetros até chegar a Ourinhos e de lá para Cornélio Procópio, no Paraná, onde trabalhou mais alguns meses como vaqueiro.
De lá foi para Maringá, onde morava João Bezerra, o irmão que tanto procurava. O avô não encontrou.
O irmão namorava uma moça de família espanhola, os Segura, que vieram para o Brasil fugidos da sanguinária guerra civil espanhola. Eram todos comunistas, como, aliás, era a maioria dos partidários dos republicanos espanhóis na luta contra Francisco Franco, que, vitorioso na guerra, seria o famigerado ditador espanhol por mais de meio século.
É neste ambiente revolucionário que o nosso menino, o pequeno camponês Julio Bezerra da Silva, conhece uma célula do Partido Comunista do Brasil, na época com a sigla PCB.
Era o ano de 1950, tempo de muita agitação política, fim do governo Dutra, eleição de Getúlio Vargas, três anos após o PCB experimentar a legalidade.
Luis Carlos Prestes, João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabóis, Giocondo Dias e Gregório Bezerra eram alguns dos principais líderes do partido.
O nosso menino estava ali numa organização de base militando, ajudando a organizar os camponeses e se inspirando o conterrâneo Gregório Bezerra e suas legendárias ligas camponesas. Mal sabia ele, e descobriria isto ao participar de um congresso partidário, que seu ídolo era, na verdade, seu tio. O encontrou, trocaram informações familiares e foi o próprio Gregório que constatou o parentesco.
Isto foi em 1955 e nosso menino já não era mais um menino. Era rapagão já feito, no alto de seus 20 anos.
Dali a um ano depois começaria a ocorrer um dos episódios que mudaria o rumo do partido e do movimento comunista internacional. Kruchev e o 20º congresso do Partido Comunista da União Soviética, a denúncia dos supostos crimes de Stálin, enfim, começa o chamado revisionismo soviético que desembocaria numa crise internacional do comunismo, acabando por rachar o partido, obrigando mais tarde, em 1962, a sua organização com uma nova sigla, PC do B.
O nosso rapaz Julio Bezerra da Silva vive todos esses momento como um expectador angustiado.
Até que veio o golpe militar de 1964 e o já encontra em Mato Grosso, mais precisamente em Jaciara, onde foi morar após o fiasco de uma tentativa de ser proprietário de terras na hoje Gaúcha do Norte.
Tentou contatos com velhos militantes, como Carlos Reinners e Antonio Antero, todos presos pela ditadura após a tentativa desses dois de organizarem uma resistência armada ao regime numa área justamente nas proximidades de Jaciara.
Devido à feroz repressão, perdeu quase que totalmente o contato com o partido, até que em 1979, já morando em Cuiabá,  reencontrou os camaradas Bié, já falecido, e Aluízio Arruda, que estavam organizando o PC do B.
De imediato reingressou nas fileiras do partido e manteve sua atuação magnífica, sendo exemplo de militante e ser humanos para todas as gerações seguintes.
Este é Julio Bezerra, o comunista que hoje tem 74 anos.
Casado com dona Olga da Mota Silva, pai de cinco filhos.
E que mantém ainda vivo o seu coração de menino.


2 comentários:

Ecodam Cultural disse...

Uma perde imensurável, um comunista apaixonado pela causa que tive o privilégio de conhecer e aprender com ele o verdadeiro significado de ser um Camarada. Sinto-me órfão, assim como o PCdoB Mato Grosso.

Anônimo disse...

Ë, tive encontros relampagos com o camarada Bezerra, mas foram intensos, tinha sempre uma historia ou uma liçao professoral como bom avô bolchevique. Que pena.

Atte: Eduardo Lohnhoff