quinta-feira, 4 de abril de 2013

Direitos Humanos da OEA vai analisar denúncia contra a PM de Mato Grosso no Caso Toni


A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA (Organização dos Estados Americanos) vai analisar denúncia contra a Polícia Militar de Mato Grosso de agressão aos direitos humanos no caso do assassinato do estudante africano Toni Bernardo da Silva. A representação foi feita por diversas entidades dos movimentos social e sindical brasileiros, mobilizados pela União dos Negros pela Igualdade (Unegro) do Distrito Federal.

A denúncia foi apresentada à CIDH depois que o Comando da PM de Mato Grosso decidiu, em junho do ano passado, inocentar os dois policiais que participaram do assasssinato do estudante Toni Bernardo da Silva, em setembro de 2011. Na época eles foram presos em flagrante junto com um empresário, depois de espancarem o estudante de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), natural de Guiné-Bissau.

A abertura de análise sobre o caso é o primeiro passo para a instauração de um processo de investigação do desrespeito aos direitos humanos.  A denúncia foi registrada sob o número P-1333-12. “A denúncia se encontra em estudo de acordo com as normas regulamentares vigentes”, informou o secretário executivo da CIDH, Emilio Álvarez Icaza L.. “Oportunamente entraremos em contato para comunicar o resultado do estudo preliminar”, acrescentou.

Segundo o escritório da CIDH em Brasília, caso o resultado seja pela abertura do processo, terá início a coleta de informações e depoimentos. “Desde já estamos solicitando às entidades de Mato Grosso para que nos repassem publicações e documentos tanto do Caso Toni, como o dos argentinos e de outras agressões da PM mato-grossense, como o ocorrido contra estudantes da UFMT recentemente”, solicitou a coordenadora geral da Unegro do Distrito Federal, Santa Alves.

“Não apenas a Polícia de Mato Grosso, mas também o aparato policial em todo o Brasil tem um histórico de agressão aos direitos humanos, em especial contra os jovens negros. Os africanos que vêm para o nosso país estudar não estão imune a estas agressões. Além do Toni, vários outros estudantes africanos têm sido vítimas pelo Brasil afora”, observou Santa Alves.

A coordenadora da Unegro informou que a entidade está catalogando junto às Ouvidorias da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Secretaria de Direitos Humanos, ambos órgãos da Presidência da República com status de Ministério. “Queremos ainda a participação de outras entidades do movimento negro e organismos estaduais neste trabalho”, acrescentou.

Confira abaixo a denúncia à CIDH da OEA:

Brasília (DF), 05 de junho de 2012.

À Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
NESTA

As entidades dos movimentos sociais e sindical do Distrito Federal e de Mato Grosso, infra-assinadas, por meio desta, denunciam o governo do Mato Grosso junto a esta Comissão dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pelos motivos que seguem:

1 - A decisão do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso de inocentar, em inquérito administrativo, os policiais Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira, da acusação de participação na morte do estudante africano Toni Bernardo da Silva, natural de Guiné-Bissau, que cursava Economia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ele morreu em setembro de 2011, espancado pelos referidos policiais e mais um empresário em uma pizzaria no bairro Boa Esperança, em Cuiabá, capital do Estado. Entre os vários ferimentos causados por socos e pontapés, ele teve a traqueia rompida e morreu por asfixia.

2 – A posição da PM de Mato Grosso e, por extensão, do governo do Estado, gera a impunidade que estimula outros atos de violência policial, como o verificado recentemente contra dois turistas argentinos que foram violentamente espancados por dois policiais militares a paisana dentro de uma casa noturna na capital mato-grossense.

3 - Estes episódios, por envolverem estrangeiros, ganharam notoriedade, mas sabe-se que diariamente cidadãos mato-grossenses têm sido vítimas de uma polícia truculenta e despreparada. Esses crimes, que vão de prisões arbitrárias, forja de provas com “plantações”, a torturas e assassinatos, permanecem impunes devido ao corporativismo nefasto, como o manifestado no resultado do inquérito administrativo da PM, e pelo poder ameaçador e intimidador dos policiais e seus comandados. 
 
4 - Por esta razão, entendemos que, com a decisão, o governo do Estado de Mato Grosso não apenas inocenta os policiais, como abona atitudes, estimula a impunidade e passa a ser flagrantemente cúmplice com os crimes que seus policiais cometem cotidianamente.

5 - A absolvição administrativa dos dois policiais pelo comando da Polícia Militar soma-se a outras decisões estimuladoras da violência policial tomadas pelo Ministério Público e pela Justiça de Mato Grosso que tendem a tornar impune o assassinato do Toni ou ao menos amenizar ao máximo a condenação dos acusados. Muito embora o inquérito da Polícia Civil tenha concluído que houvera assassinato, acabou sendo tipificado como lesão corporal seguida de morte pelo Ministério Público Estadual. Num primeiro momento a Justiça local não acatou tal encaminhamento, considerando que Toni Bernardo fora, sim, vítima de assassinato. Mas a própria Justiça reviu a decisão, acatando a versão de lesão corporal seguida de morte.

6 - Diante de tais decisões, os acusados estão respondendo o inquérito em liberdade e não serão levados a júri popular. No caso dos policiais, os mesmos já voltaram trabalhar nas ruas de Cuiabá, atuando na “segurança da população”. Por isto indagamos: que tipo de segurança agentes públicos garantirão à população diante da concessão por seus comandados e com a conivência do governo de Mato Grosso estão isentos para espancar e matar cidadãos?

Diante do exposto, solicitamos que os organismos acompanhem de perto e assiduamente o caso, cobrando do governo de Mato Grosso explicações e exigindo a revisão do inquérito administrativo da Polícia Militar, que fatalmente irá influenciar no julgamento a favor dos acusados.

Solicitamos ainda que diante de uma eventual recusa do governo de Mato Grosso de reparar a atitude no mínimo vergonhosa de sua Polícia Militar, analisem a possibilidade de condenação por conivência e cumplicidade com as agressões aos Direitos Humanos.

Assinamos:

- União dos Negros pela Igualdade do Distrito Federal (Unegro-DF)
- Grupo Tortura Nunca Mais
- União Brasileira de Mulheres (UBM)
- Movimento Negro Unificado (MNU)
- Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) do Distrito Federal
- União dos Negros pela Igualdade de Mato Grosso (Unegro-MT)
- Grupo de União e Consciência Negra de Mato Grosso
- Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de Mato Grosso (Cojira-MT)
- Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF)
- União dos Negros pela Igualdade de Sergipe (Unegro-SE)
- Instituto de Mulheres Negras (Imune)
- Movimento de Inteligência Negra (MIN)
- Centro Nacional de Cidadania Negra
- Federação de Umbanda e Candomblé de Mato Grosso
- Associação Mato-grossense dos Portadores de Anemia Falciforme
- Federação das Associações Quilombolas de Mato Grosso
- Instituto de Formação, Estudo e Pesquisa de Mato Grosso
- Centro de Organização e Defesa da Criança e Adolescente
- Instituto das Tradições de Cultura Afro-brasileira
- Instituto Afro Barra do Bugres (MT)
- Associação dos Filhos e Amigos de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT)
- Centro de Educação e Cultura Popular de Taguatinga
- União dos Negros pela Igualdade de Pernambuco (Unegro-PE)
- Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos de Ensino do Distrito Federal

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