Aulas de inglês, abaixo-assinado e cantores "internacionais"
Fora dos que portavam armas e algemas,
havia toda a sorte de gente nos vigiando. Na escola, no bairro, na igreja. Uma
simples reunião na associação de moradores era proibida e um mero
abaixo-assinado quase custou a prisão do meu pai e da professora Enilda.
José Orozimbo, o seu Negrão, teve que prestar depoimento à polícia por causa de um simples abaixo-assinado |
E as aulas de sábado
foram aumentando, alunos de outras séries queriam também aprender. A professora
Enilda não dava só aulas. Ela também organizava brincadeiras, apresentação de
músicas (foi aí que surgiu o cover mirim do Secos & Molhados), recitais de
poemas e esquetes teatrais (foi aí que me inspirei a criar o meu grupo de teatro Pé na
Terra).
Nas aulas quem quisesse levava uma letra
de música em inglês que ela ensinava a partir das músicas. Nunca consegui
emplacar Time, do Pink Floyd, e Child in Time, de Deep Purple, que eram as
bandas que, ao lado de Secos & Molhados e Jackson Five, faziam a minha
cabeça e a da minha turma na época. As meninas, fãs de Pholhas, Morris Albert e
de Chrystian, acabavam emplacando as músicas delas, especialmente Fellings,
grande sucesso daqueles idos de 73.
Chrystian, aliás, era pseudônimo norte-americanizado do, na época, um
garotinho goiano de nome bem brasileiro, José Pereira da Silva, que fazia
sucesso cantando em inglês, como boa parte de cantores brasileiros que só
alcançavam a fama se cantassem em inglês, dado ao nível de colonização cultural
que estávamos submetidos naquela época da ditadura. Foi assim também com o
próprio Pholhas, com Fábio Junior (Mark Davis), Maurício Alberto (Morris
Albert), Jessé (Christie Burgh), Sérgio Reis (Johnny Jonson) e muitos outros
Toda a movimentação na Escola Bárbara
Souza de Moraes acabou causando um reboliço no bairro e das aulas a coisa
evoluiu para um movimento cultural que começou a ser olhado com suspeitas por
reacionários dentro e fora da escola. Até que chegou a ordem da Secretaria de
Educação de Goiânia para acabar com as aulas da professora Enilda.
Revoltados, pais a alunos se mobilizaram
para evitar o fim das aulas. Então vem a determinação para demitir a professora.
Foi aí que meu pai entrou em ação. Organizou um abaixo-assinado que
mobilizou toda a comunidade e a associação de moradores. Mas a direção da
escola, que cumpria “ordens de cima”, não podia fazer nada.
No final a professora Enilda perdeu o
emprego e ainda teve que ir, junto com meu pai, depor na polícia. Alguns dias
depois apareceram uns caras estranhos na escola e todos os alunos da sétima e
oitava séries foram chamados um a um na sala da diretoria para responder
perguntas. E depois, tudo que organizamos sob a orientação da professora Enilda
teve que ser desfeito. Até o cover de Secos & Molhados, que àquela altura
já estava famoso no bairro.
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