Confira a segunda parte da reportagem sobre a "Turma de Brasília", grupo recrutado pela PM de Mato Grosso para servir naquele estado
Por João Negrão
Lepesteur, o chefe do braço armado do crime organizado em Mato Grosso |
O então
capitão Frederico Carlos Lepesteur foi um dos oficiais da Polícia Militar de
Mato Grosso que comandaram o recrutamento dos jovens de Brasília. Ao chegar
naquele estado, também ajudou no treinamento da jovem tropa, que seria
distribuída por batalhões e companhias espalhas por várias regiões. Aí já
passou a identificar aqueles que poderiam pertencer à sua tropa pessoal.
Desde
que chegou a Mato Grosso em meados nos anos 70, após servir oriundo do NPOR
(Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva) no Exército no Rio de Janeiro,
onde nasceu, Lepesteur, que manteve estreitas ligações com os comandos de
repressão política naqueles anos de chumbo, passou a integrar o braço armado do
crime, atuando inicialmente na defesa de fazendeiros e grileiros de terras.
Naquela época Mato Grosso ainda não havia sido dividido e a estrutura do crime
organizado era mais forte no Sul do estado, justamente o território que passou
a ser denominado Mato Grosso do Sul.
Estado dividido, nova vertente do crime
Com a divisão de Mato Grosso, aprovada em 1977 e oficializada em 1979, os chefes dos bandidos do Sul carecem de força no Norte ao perderem influência no aparelho policial e governamental em geral, e o crime organizado também divide sua estrutura. É neste contexto, já adentrando nos anos 80, que irá aparecer um personagem que iria fortalecer o pequeno exército de Lepesteur e submeter o aparelho de estado, grandes nomes da política local – alguns com expressão nacional -, juízes, desembargadores, fazendeiros poderosos e empresários influentes pelas três décadas seguintes. Seu nome: João Arcanjo Ribeiro. Vamos falar dele mais adiante.
Com a divisão de Mato Grosso, aprovada em 1977 e oficializada em 1979, os chefes dos bandidos do Sul carecem de força no Norte ao perderem influência no aparelho policial e governamental em geral, e o crime organizado também divide sua estrutura. É neste contexto, já adentrando nos anos 80, que irá aparecer um personagem que iria fortalecer o pequeno exército de Lepesteur e submeter o aparelho de estado, grandes nomes da política local – alguns com expressão nacional -, juízes, desembargadores, fazendeiros poderosos e empresários influentes pelas três décadas seguintes. Seu nome: João Arcanjo Ribeiro. Vamos falar dele mais adiante.
A
divisão de Mato Grosso foi uma das razões para o governo de então se lançar à busca por
servidores não apenas militares como civis. A região que se desmembrou e passou
a ser conhecida por Mato Grosso do Sul era mais desenvolvida que o Norte,
devido à proximidade com a região Sudeste, em especial São Paulo. Assim, a maioria dos servidores públicos,
incluindo os policiais militares, ficou na “parte de baixo”, como se referiam
ao novo estado, nem tanto de forma pejorativa e mais por conta da posição no
mapa.
Brasilienses na linha de frente das
batalhas
A
outra razão era recusa dos jovens nativos de Mato Grosso de ingressarem na
força pública, devido aos baixos salários e à exposição constante ao perigo,
diante do enfrentamento em áreas de risco como garimpos, conflitos por terras e
uma verdadeira guerra entre posseiros e grileiros, estes e aqueles com índios e
de todos contra garimpeiros que iam tomando conta de minas de ouro em áreas do
chamado Nortão Mato-grossense, região onde surgiram dezenas de cidades por
força da garimpagem e a extração ilegal de madeiras nobres, não raro em
reservas indígenas.
Neste
cenário aterrador, os jovens mato-grossenses queriam distância do engajamento
na PM. Assim, os quartéis mato-grossenses careciam de contingente e a
alternativa foi suprir as necessidades da polícia recrutando futuros soldados
em Brasília e em Goiânia. Desconhecendo todos os perigos e atraídos pelas
promessas dos oficiais recrutadores, os jovens, sobretudo do Distrito Federal,
foram colocados na linha de frente de verdadeiras batalhas que eram missões para
desarmar garimpeiros, posseiros e grileiros, executar ordem de desapropriação e
desocupação de terras e enfrentar exércitos pessoais de donos de garimpos que
transformaram suas minas e cercanias em verdadeiros países particulares.
O primeiro confronto
O primeiro confronto
Tão
logo chegou a Mato Grosso, Manoel Alves da Silva Filho ingressou no curso de
formação de sargentos, junto com outros com mais instrução, que com ele partiram
de Brasília na primeira leva, em cerca de dez ônibus, pouco mais de 400
pessoas. O sargento Filho, seu nome de guerra, mal assumiria sua primeira
missão e já teria seu primeiro confronto com Lepesteur. A esta altura, o grupo do
então capitão não apenas prestava serviços a fazendeiros e grileiros, mas
atuava na pistolagem e na agiotagem, fazendo “cobranças” dos devedores dos
agiotas. Essas cobranças eram ações violentas de intimidação, espancamento,
cárcere privado e até assassinatos, como exemplo para aqueles que não
“honrassem” o compromisso do pagamento em dia.
“Toda
vez que eu estava de serviço tinha um azar lascado de confrontar com o esquema
desse cara [Lepesteur]”, lembra o então sargento Filho, que hoje é professor da
rede pública do Distrito Federal e militante do Sindicato dos Professores
(Sinpro-DF). O azar, conta o professor Manoel, é que sempre havia uma denúncia
contra comandados do capitão. “Eu prendia os caras que estavam a serviço dele,
inclusive os que eram seus seguranças pessoais, os caras estavam armados. Eu e
minha equipe os desarmávamos, prendia e levava para a delegacia. Assim eu
comecei a ser mal visto, e o Lepesteur de repente passou a olhar para mim e me ver
como inimigo. E eu virei inimigo, principalmente porque eu descobri todo o
esquema dele”, relata o ex-militar.
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