quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Jovens de Brasília foram usados pelo braço armado do crime organizado em Mato Grosso

Confira a segunda parte da reportagem sobre a "Turma de Brasília", grupo recrutado pela PM de Mato Grosso para servir naquele estado

Por João Negrão

Lepesteur, o chefe do braço armado do crime
 organizado em Mato  Grosso
O então capitão Frederico Carlos Lepesteur foi um dos oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso que comandaram o recrutamento dos jovens de Brasília. Ao chegar naquele estado, também ajudou no treinamento da jovem tropa, que seria distribuída por batalhões e companhias espalhas por várias regiões. Aí já passou a identificar aqueles que poderiam pertencer à sua tropa pessoal.

Desde que chegou a Mato Grosso em meados nos anos 70, após servir oriundo do NPOR (Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva) no Exército no Rio de Janeiro, onde nasceu, Lepesteur, que manteve estreitas ligações com os comandos de repressão política naqueles anos de chumbo, passou a integrar o braço armado do crime, atuando inicialmente na defesa de fazendeiros e grileiros de terras. Naquela época Mato Grosso ainda não havia sido dividido e a estrutura do crime organizado era mais forte no Sul do estado, justamente o território que passou a ser denominado Mato Grosso do Sul.

Estado dividido, nova vertente do crime

Com a divisão de Mato Grosso, aprovada em 1977 e oficializada em 1979, os chefes dos bandidos do Sul carecem de força no Norte ao perderem influência no aparelho policial e governamental em geral, e o crime organizado também divide sua estrutura. É neste contexto, já adentrando nos anos 80, que irá aparecer um personagem que iria fortalecer o pequeno exército de Lepesteur e submeter o aparelho de estado, grandes nomes da política local – alguns com expressão nacional -, juízes, desembargadores, fazendeiros poderosos e empresários influentes pelas três décadas seguintes. Seu nome: João Arcanjo Ribeiro. Vamos falar dele mais adiante.
O chefão João Arcanjo Ribeiro, o comendador

A divisão de Mato Grosso foi uma das razões para o governo de então se lançar à busca por servidores não apenas militares como civis. A região que se desmembrou e passou a ser conhecida por Mato Grosso do Sul era mais desenvolvida que o Norte, devido à proximidade com a região Sudeste, em especial São Paulo. Assim, a maioria dos servidores públicos, incluindo os policiais militares, ficou na “parte de baixo”, como se referiam ao novo estado, nem tanto de forma pejorativa e mais por conta da posição no mapa.

Brasilienses na linha de frente das batalhas

A outra razão era recusa dos jovens nativos de Mato Grosso de ingressarem na força pública, devido aos baixos salários e à exposição constante ao perigo, diante do enfrentamento em áreas de risco como garimpos, conflitos por terras e uma verdadeira guerra entre posseiros e grileiros, estes e aqueles com índios e de todos contra garimpeiros que iam tomando conta de minas de ouro em áreas do chamado Nortão Mato-grossense, região onde surgiram dezenas de cidades por força da garimpagem e a extração ilegal de madeiras nobres, não raro em reservas indígenas.

Neste cenário aterrador, os jovens mato-grossenses queriam distância do engajamento na PM. Assim, os quartéis mato-grossenses careciam de contingente e a alternativa foi suprir as necessidades da polícia recrutando futuros soldados em Brasília e em Goiânia. Desconhecendo todos os perigos e atraídos pelas promessas dos oficiais recrutadores, os jovens, sobretudo do Distrito Federal, foram colocados na linha de frente de verdadeiras batalhas que eram missões para desarmar garimpeiros, posseiros e grileiros, executar ordem de desapropriação e desocupação de terras e enfrentar exércitos pessoais de donos de garimpos que transformaram suas minas e cercanias em verdadeiros países particulares.

O primeiro confronto

Tão logo chegou a Mato Grosso, Manoel Alves da Silva Filho ingressou no curso de formação de sargentos, junto com outros com mais instrução, que com ele partiram de Brasília na primeira leva, em cerca de dez ônibus, pouco mais de 400 pessoas. O sargento Filho, seu nome de guerra, mal assumiria sua primeira missão e já teria seu primeiro confronto com Lepesteur. A esta altura, o grupo do então capitão não apenas prestava serviços a fazendeiros e grileiros, mas atuava na pistolagem e na agiotagem, fazendo “cobranças” dos devedores dos agiotas. Essas cobranças eram ações violentas de intimidação, espancamento, cárcere privado e até assassinatos, como exemplo para aqueles que não “honrassem” o compromisso do pagamento em dia.

“Toda vez que eu estava de serviço tinha um azar lascado de confrontar com o esquema desse cara [Lepesteur]”, lembra o então sargento Filho, que hoje é professor da rede pública do Distrito Federal e militante do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF). O azar, conta o professor Manoel, é que sempre havia uma denúncia contra comandados do capitão. “Eu prendia os caras que estavam a serviço dele, inclusive os que eram seus seguranças pessoais, os caras estavam armados. Eu e minha equipe os desarmávamos, prendia e levava para a delegacia. Assim eu comecei a ser mal visto, e o Lepesteur de repente passou a olhar para mim e me ver como inimigo. E eu virei inimigo, principalmente porque eu descobri todo o esquema dele”, relata o ex-militar.


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