quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

‘Queremos politizar nossa luta, não somos piada, somos realidade e vítimas da ignorância’, afirma ativista gay

Andrey Lemos, coordenador nacional LGBT da União dos Negros pela Igualdade defende que a causa homossexual deve ir além das paradas gay e ganhar as ruas com politização, debates e mais informação

Por João Negrão

As tradicionais paradas gay são as manifestações mais visíveis do movimento LGBTT. Em geral muito animadas, cheia de cores, músicas e manifestações públicas de afeto, elas estão cada dia mais carnavalizadas e folclóricas. Na opinião de alguns ativistas gays, a paradas acabam reforçando negativamente o estereótipo do engraçado e do promíscuo para a comunidade. Andrey Lemos, coordenador nacional LGBT da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) não é contra as paradas, mas defende que o movimento gay deve ajudar a “politizar a sociedade, ampliar os debates, fortalecer o acesso a informação, buscar aliados”, assim “mostrar que somos diferentes (...), trabalhamos, estudamos, pagamos impostos, merecemos respeito e oportunidade como o restante da sociedade”. Este é um dos temas da seguinte entrevista:

Fale um pouco sobre você, suas origens, formação, atuação política e no movimento negro, estado civil, sua família, irmãos, pais...

Sou Andrey Roosewelt Chagas Lemos, nasci em Aracaju, Sergipe, em 1972, sou o filho mais velho do casal, estudei sempre em escola pública, comecei minha militância no movimento estudantil em 1987, em 1988 me filiei ao PC do B, em 1994 comecei a militar na luta anti racismo e em 1999 iniciei no movimento LGBT. Graduado em História e especialista em Ensino de História, atuei em várias ocupações, como trabalhar no comércio, em bares, ONG e até gestão pública. Atualmente sou Coordenador Nacional LGBT da União de Negros Pela Igualdade.

Como é ser negro, gay e comunista e enfrentar todos os preconceitos, estigmas e fobias?

Não é fácil, com certeza. Vivemos em um país marcado pela colonização escravagista, patriarcal e misógina. As pessoas trazem na sua formação o pensamento que devem determinar o lugar do indivíduo a partir dos seus rótulos. Negam direitos aos que estão “despradonizados” os que não se enquadram na “norma social” ou os que fogem da “heteronormatividade”. Ainda somos chamados de minorias, mesmo sabendo que a população negra é 52% e os homossexuais são a maioria entre as violências homolesbobitransfóbicas. Um país com a história marcada por vários períodos de ditadura, e com uma educação que não acessa a todas e todos de forma igual, pouco acesso a informação e formação, ainda nós, comunistas sofremos muita discriminação.

Falando em fobia, o Brasil continua sendo um dos países em que a homofobia é mais forte e tem provocado mais mortes e outros tipos de violência contra os LGBT. Comente sobre a ausência de leis para protegê-los e a resistência do Congresso em votar a lei contra a homofobia.

Como falei anteriormente, nossa sociedade é marcada pelo machismo, todos que ousam a enfrentar o machismo e exigir igualdade de oportunidades com os “machos” que não desejam abrir mão dos seus privilégios, somos, mulheres, gays, lésbicas, travestis e transexuais, vítimas da intolerância influenciada e justificada pelo fundamentalismo e o excesso de valores morais que desrespeitam hipocritamente a diversidade de identidades e a liberdade de expressão. Não conseguimos eleger nossos representantes, o sistema político está amarrado a uma lógica financeira e desigual, não temos empresários que financiem candidaturas de negros e LGBT, não temos sem sequer o respeito dos meios de comunicação que reproduzem estereótipos e fortalecem o preconceito. Por isso, temos dificuldade de garantir nossos direitos em um poder legislativo cada vez mais conservador e preconceituoso.

A causa LGBT parece encontrar amparo no Executivo e certa guarida no Judiciário, mas se esbarra no conservadorismo no Legislativo. Agora, com esta nova composição tida como mais conservadora, que esperanças vocês têm com o novo Congresso que será empossado em 1º de fevereiro?

Esperanças no Congresso Nacional? Muito difícil. Uma legislatura ainda mais conservadora que as últimas, aliás perdemos muitos parlamentares ligados aos movimentos sociais neste último processo eleitoral, fruto também de um projeto da grande mídia de criminalização desses movimentos, porém estamos conseguindo garantir políticas públicas para promover igualdade de oportunidades como ações afirmativas e instrumentos de promoção de direitos humanos, o judiciário também tem dado uma parcela tímida de contribuição, mas o legislativo não sabe mais qual o seu papel, o problema também passa pela educação e pela reforma das comunicações.

Você é uma das lideranças que articulam uma nova forma de protestos e visibilidade da causa LGBT em movimentos como a Parada Gay, que não seja apenas e tão somente festiva como assistimos atualmente. Fale sobre esta necessidade que você prega de politizar mais o movimento.

Desculpe não prego, rsrsrs, não sou pastor, rsrsrs, defendo que precisamos, onde quer que estejamos, politizar a sociedade, ampliar os debates, fortalecer o acesso a informação, buscar aliados, mostrar que somos diferentes, mas que não comemos criancinhas, trabalhamos, estudamos, pagamos impostos, merecemos respeito e oportunidade como o restante da sociedade. Não podemos continuar aceitando o lugar do engraçado, do ridicularizado, do promíscuo, do imoral, não somos piada, somos realidade, discriminados e vítimas da ignorância. Muitas vezes, as novelas, os meios de comunicação contribuem para nosso estigma, precisamos brigar por mais espaços, espaços de poder, ocupar os lugares, e com nossa capacidade descolonizar essa sociedade.

Aliás, a apolitização da vida brasileira não é apenas do movimento LGBT, bem como dos negros, das mulheres e até dos estudantes. Pode analisar estas situações?

Como falei anteriormente, temos problemas na educação e também nos meios de comunicação, não podemos avançar com todo o sistema de comunicação brasileira controlado por algumas famílias que representam os interesses de grupos econômicos que querem continuar controlando o país. Precisamos de uma política de educação e de comunicação que contemple a diversidade presente em nossa sociedade, precisamos de uma reforma política que possibilite uma verdadeira representação do conjunto de seguimentos da sociedade. Precisamos também compreender que os movimentos sociais tem especificidades, mas que precisamos também fazer um debate maior ´que é a questão da luta de classes, temos que compreender que o racismo não é um problema apenas dos negros e negras, assim como o machismo não é um problema apenas das mulheres e a homofobia não agride apenas a comunidade LGBT, são fenômenos que aumentam a violência e violação de direitos, consequentemente entravam o desenvolvimento da sociedade e aumentam as desigualdades, precisamos vencer essas desigualdades, para isso, precisamos no conjunto dos movimentos sociais encontrar as bandeiras que nos une e mobilizar para mudar o nosso país.

Como você vê o movimento LGBT no Distrito Federal?

O movimento LGBT no Distrito Federal tem grandes quadros, militantes comprometidos, qualificados, porém estamos atravessando no país um processo de perseguição aos movimentos sociais, o subfinanciamento via na contramão do empoderamento dos seguimentos, precisamos ter instrumentos de fortalecimento da atuação dessas instituições.

Algo que não perguntei que você gostaria de comentar, acrescentar?

Fico muito feliz em poder compartilhar minhas ideias com seus leitores, gostaria que nós ativistas, lideranças dos movimentos de negras e negros, LGBT, de mulheres, pudéssemos, ou melhor, tivéssemos mais oportunidades de apresentar nossas demandas e contribuir para a construção de um estado que realmente seja laico, livre e democrático. Precisamos de mais igualdade de oportunidades, e que mesmo sendo diferentes, devemos ser respeitados em nossas diferenças e termos a igualdade na garantia dos direitos e da liberdade.





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