sábado, 10 de janeiro de 2015

Pistoleiro de Brasília e sua peleja com o chefe da milícia do crime organizado em MT

Confrontos com o chefe da milícia, relatados por um dos jovens brasilienses que foram servir à Polícia Militar de Mato Grosso. Confira a terceira parte da reportagem.

Por João Negrão

Outro que virou inimigo de Lepesteur foi Justino, mas por outra vertente. Inúmeras vezes demonstrou descontentamento com a vida que levava e, apesar de estar subordinado a outro comando do braço armado do crime organizado, o coronel frequentemente lhe dava ordens. Justino não gosta de falar sobre a hierarquia da “máfia”. Menciona Lepesteur apenas como um homem forte dentro da “estrutura” e mesmo assim porque ele já é falecido. Quem estava imediatamente acima do pistoleiro e muito menos no alto do comando, ele prefere não se referir. “Deixa quieto”, se limitou a dizer, fazendo um jogo de corpo aparentemente tímido, com a cabeça baixa, o rosto meio virado e o olhar cabisbaixo. A intriga do coronel com Justino era por conta justamente da rebeldia do soldado em obedecer suas ordens, em geral contrariando seu imediato.

João Arcanjo Ribeiro estruturou e controlou o crime organizado em Mato Grosso de uma forma tão centralizadora que nada fugia ao seu comando pessoal ou por meio de seus prepostos. A estrutura envolvia ações em diversas frentes: o jogo do bicho, a agiotagem (incluindo factorings), o roubo de cargas, os grandes assaltos, os caça-níqueis e o tráfico de drogas. Estes dois últimos tinham algumas particularidades. O negócio das máquinas de caça-níqueis foi um dos últimos empreendimentos do “comendador” e o que lhe daria mais dor de cabeça, o que veremos adiante. Já o tráfico de drogas não estava diretamente sob seu controle, apesar do envolvimento dos diversos grupos a ele subordinados nesta ação e com ramificações internacionais.

O cobrador 

Justino pertencia a um dos grupos de cobrança da agiotagem, que era o que mais se expunha, já que estava diretamente em contato com devedores de Arcanjo. Muito raramente encobriam os rostos e estavam abertamente em ação contra os “maus pagadores”, em geral empresários e políticos mato-grossenses. A tarefa era intimidar os devedores, quase sempre com muita violência física e não raro com sequestros dos endividados ou de seus parentes, cárcere privado e, em casos extremos, a execução pura e simples, como exemplo para os demais.

Já Lepesteur estava diretamente ligado aos executores, aos militares exímios atiradores, muitos deles escolhidos a dedo pelo coronel. Eram atiradores de skol, os snipers, parte de uma elite muito respeitada dentro da corporação, aqui com as duas frentes – a “boa” e a “má”. “Pistoleiro bom não pode errar um tiro. Deve ter sangue nos olhos e gelo nas veias”, costumava bradar com seus comandados, segundo Justino. Por outro lado, retratava um coronel da linha oficial, Lepesteur e seus homens não tinham a mesma coragem quando o assunto era enfrentar bandidos ferozes.

Numa rebelião de um dos maiores presídios de Mato Grosso, o do Carumbé, lá estava Lepesteur de serviço. Os presos rebelados, como sempre, faziam reféns e ameaçavam matar todos se suas exigências não fossem atendidas.  Era o ano de 1986. Escalado para enfrentar a rebelião, o então major Lepesteur chegou na porta do presídio e disse que não poderia ajudar porque tinha uma viagem marcada para São Paulo. “Dali ele foi embora. Outros oficias e aspirantes se apresentaram, mas quando viram a gravidade do problema se recusaram a entrar”, lembra um oficial, que já foi um dos mais importantes homens da corporação na estrutura governamental de Mato Grosso.

“Coragem teve mesmo foi o então o aspirante Taboreli (Pery, hoje coronel e deputado estadual eleito pelo PV), que se apresentou como voluntário e pulou com a tropa lá onde estava o refém e acabou recebendo um tiro no braço, que até hoje não sabemos a origem do tiro, haja vista nossa total experiência em rebelião em presídios, e nessa época faleceram treze pessoas, 13 detentos no combate, eu lembro que choveu muito e uma semana depois o major Eldo Sá veio a falecer que maltrataram muito ele como refém nos 2 ou 3 dias que ele ficou refém dos presos, inclusive obrigaram ele nessa época a fumar maconha e ele já tinha problema do coração e não aguentou. Major Eldo Sá e coronel Amilton Sá Correia eram referências muito fortes pra nós quando éramos jovens oficiais”, lembra o coronel, que preferiu não ter seu nome revelado.

Este episódio ilustra o que era Lepesteur e seus comandos: homens capazes de tudo contra cidadãos comuns, mas covardes no confronto direto com os bandidos mais perigosos. “O Lepesteur tinha muita fama, mas nunca vi ele no confronto direto. Ele mandava. Lembro de uma vez que ele foi retirar os invasores de uma fazenda em Jauru. Ele encheu dois ônibus da São Cristovão (empresa de transporte), quebrou todos os vidros do ônibus para dizer que era facilidade de atirar, com mais de 100 policiais não retirou nenhum invasor. Voltou sem cumprir a missão”, relata o oficial.

A fama de Lepesteur era a de um chefe de milícia que só sabia dar ordem, mas não tinha competência para o confronto direto. Por esta razão que homens como Justino foram perdendo o respeito pelo oficial e não raramente confrontavam com ele, preferindo se aproximar de posições mais confiáveis dentro da estrutura do crime organizado. Contudo, Lepesteur era para muitos, dentro e fora da corporação e suas duas vertentes (a oficial e a extra-oficial), uma lenda.

Robusto, forte, carismático, sedutor, uma forte presença de espírito e com uma imposição corporal única, Frederico Carlos Lepesteur passava a imagem de um homem intocável, fora do alcance dos órgãos de controle interno da PM, da Corregedoria, do Judiciário e da imprensa, onde colecionavam simpatias diversas. Nada parecia derrotá-lo.

Nem mesmo o processo que seguiu à prisão do seu chefe, João Arcanjo Ribeiro, depois do assassinato do proprietário do jornal Folha do Estado, Domingos Sávio Brandão (falaremos sobre isto depois), abalou Lepesteur. Sua ruína viria pela força bruta natural de um câncer que acometeu seu ombro e o castigou severamente até se definhar para a morte mais cruel. Um sofrimento possivelmente capaz de se aproximar do de centenas de vítimas que colecionou direta ou indiretamente ao longo de ao menos 25 anos no comando de um exército atroz.

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