Há muito mais em comum entre os dois que saber dançar rasqueado |
Empresário
de sucesso, formado engenheiro em universidade pública - mantida, portanto, com
o dinheiro do povo cuiabano, mato-grossense e brasileiro -, o prefeito Mauro
Mendes provavelmente está sendo pela primeira vez em sua vida um empregado.
Isto mesmo. Mendes é agora empregado do povo cuiabano, que é quem lhe paga o
salário para cuidar do bem-estar material e espiritual da população da capital
do Estado.
Assim,
seria interessante ele alimentar esta consciência de que alçou ao posto no
sétimo andar do Alencastro graças aos votos dos cuiabanos. Há quem diga que
necessitou ainda de algumas forças não republicanas para chegar lá. Mas este é
tema para futuras abordagens. Por enquanto, ficaremos aqui no refresco da
memória do “socialista” Mauro Mendes: você, meu caro, é empregado e como tal
deve se comportar. E olhe que se trata de um empregado muito privilegiado. Sim,
porque sequer experimentou o estágio em outras responsabilidades públicas e
ainda por cima você não corre o risco de ser demitido sumariamente como deve
fazer com seus empregados quando estes não respeitam suas ordens.
Aliás,
você nem precisa obedecer à risca as ordens de seus patrões, os cerca de 600
mil cuiabanos. Mas tem uma coisa que você precisa apender a fazer, meu caro:
ouvir. Ouvir e ter paciência. Para isto, deve entender que a prefeitura de
Cuiabá não é a extensão de uma de suas empresas e que este modo de governar que
sempre propalou não se aplica à administração da coisa pública. Por isto,
comece ouvindo todos os segmentos sociais, em especial os da cultura, sobre se
é melhor para o conjunto fundir Cultura e Turismo.
Concomitantemente,
procure abrir sua cabeça para o significado da cultura, tanto como a expressão
do povo, como do ponto de vista econômico, com sua cadeia produtiva, gerando
emprego e renda, ajudando, portanto, no desenvolvimento econômico da cidade. Uma
vez, num debate em sua primeira candidatura a prefeito, o vi no ridículo papel
de tentar provar que valorizava a cultura assegurando que até sabia dançar um
rasqueado e desafiar seu oponente, Wilson Santos, a mostrar quem dançava
melhor. Só não foi mais ridículo que o eleito, pois já notório como oportunista
desprezível.
Comportamentos
tais expressam a total ignorância sobre o papel que exerce a cultura na
construção da superestrutura de uma sociedade e sua importância na
infraestrutura econômica. Infelizmente, Mauro Mendes, qual Wilson Santos, e a
esmagadora maioria dos políticos em Mato Grosso e no resto do País, priorizam a
infraestrutura e se esquecem da superestrutura, ou seja, os elementos
intelectuais, estéticos, morais e políticos, sem os quais, qualquer
desenvolvimento será apenas circunstancial. Convido o prefeito a refletir
profundamente sobre isto. Mas se não tiver capacidade para tanto, que busque
conhecer melhor o lado que o deve atrair invariavelmente: o econômico. Pense,
quero voltar a frisar, no que é capaz de fazer a cadeia produtiva da cultura,
que gera emprego e renda e ajuda na riqueza na cidade, provando que não se
trata de gasto e, sim, investimento.
Vão
aí algumas dicas para você pensar:
Pense
nos escritores e nas dezenas de editoras e livrarias, que empregam centenas de
pessoas, que movem as gráficas, que geram outras centenas.
Pense
no teatro, que mobiliza autores, atores, diretores, cenógrafos, iluminadores e
até carpinteiros, pintores, eletricistas, etc. Idem para a dança. O mesmo
acontece com o audiovisual.
Pense
no artesanato e nos grupos folclóricos como geradores de emprego, se não puder
visualizá-los como guardiães de tradições desta cidade quase tricentenária.
Pense
nos artistas plásticos e seus trabalhos respeitados pelo Brasil afora e no
exterior.
Pense
nos músicos, que movem uma parcela desta cadeia produtiva que envolve centenas,
quem sabe milhares, de pessoas em torno de suas gravações e seus shows.
Pense
nos produtores culturais e nos profissionais de todas as áreas de produção
artística.
Enfim,
se não conseguir pensar com a sensibilidade sociocultural, pense com os
cifrões, no dinheiro que tudo isto movimenta em Cuiabá.
E
se quiser aprofundar seus pensamentos, vamos, pois, a algumas reflexões:
É
justo criticar o regime militar como um período de nossa história em que a
violência tomou conta, com prisões, exílios, torturas e eliminação física dos
adversários da ditadura. Mas houve outro crime de igual monta, outra violência
embutida, necessária para o projeto maior dos que patrocinaram o golpe de 64:
destruir as bases de nossa cultura e, assim, reduzir a nossa superestrutura.
Tudo para aprofundar a nossa dependência ao capital estrangeiro. Contou muito
forte aqui a instituição de um novo modelo universitário, direcionando o ensino
superior aos interesses do capital imperialista. Para tanto, veio a repressão
feroz ao movimento estudantil e a perseguição aos intelectuais. Concomitantemente,
o rompimento com um processo de desenvolvimento da cultura e das artes
nacionais. A música, o teatro, o cinema e as artes em geral sofreram horrores
no período militar. E não me refiro apenas à repressão sofrida pelos artistas e
produtores culturais, mas às investidas premeditadas no sentido de “emburrecer”
o País e torná-lo colonizado culturalmente. E tudo isto tem relação direta com o
subdesenvolvimento.
Durante
todo o período militar a área da cultura, seja no âmbito federal, como nos
estaduais e municipais, exerceu papel secundário dentro das pastas de Educação.
O MEC, por exemplo, mantém a sigla daqueles tempos, quando era Ministério da
Educação e Cultura. Percebamos que mesmo numa estrutura burocrática de duas
atividades hipoteticamente afins e afeitas, havia praticamente um desprezo para
com a área cultural. O que se dirá de uma junção entre uma área essencialmente
econômica, como é o caso do Turismo.
As
experiências administrativas têm demonstrado ao longo dos anos que este tipo de
fusão só tem resultado no enxugamento das estruturas e a sua consequente
economia de verbas. Na dinâmica das ações de cada área uma parte costuma
subordinar a outra, especialmente quando não são afins e afeitas e interesses
conflitantes tendem a ter soluções favoráveis aos segmentos da sociedade mais
articulados e com força política. Há quem pense diferente e compartilhe com a
iniciativa do prefeito, que possa não haver o engessamento da área cultural e a
estrutura, por exemplo, enxuta permitir maior dinamismo. Pode até ser. Mas isto
iremos saber com a prática. Por enquanto, só há uma forma de não errar:
debater.
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