quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Operação comandada por Lepesteur levou mais de mil jovens de Brasília para a PM de Mato Grosso

No início da década de 80 cerca de 1.200 rapazes entre 18 e 24 anos foram servir a Polícia Militar daquele estado, sob o fogo cruzado do crime organizado e dos conflitos entre garimpeiros, grileiros, índios e posseiros. Esta é a primeira parte desta história

Por João Negrão

Um ex-policial militar trabalha como segurança em um órgão público de uma região administrativa de Brasília. Ele é terceirizado, contratado por uma empresa particular, que presta serviços ao governo do Distrito Federal. Ali cuida da segurança dos servidores e protege o patrimônio da administração pública. É querido por todos e considerado simpático e prestativo, apesar da cara de poucos amigos. Ninguém sabe que este senhor de meia idade, com aparência cansada e a saúde um tanto quanto debilitada, já foi um dos maiores pistoleiros no estado de Mato Grosso entre as décadas de 80 e 90.

Parte da turma em curso de formação num dos quarteis de Cuiabá
Vamos chamá-lo de Justino. Por motivos óbvios, Justino só aceitou dar entrevista se sua identidade não fosse revelada. Ainda no final dos anos 90, ele teve que fazer uma escolha: continuava na vida da pistolagem e morreria cedo e barbaramente, como muitos outros colegas, ou largava tudo e fugia. Mas antes teve que dar baixa da Polícia Militar e depois romper com o esquema do crime organizado que dominou por mais de três décadas Mato Grosso, com ramificações pelo aparelho policial, no meio empresarial, no Judiciário e em todas as esferas políticas e administrativas daquele estado.

No segundo caso, a fuga significava desaparecer de Mato Grosso e cair na clandestinidade, se exilando longe de lá. Caso soubessem que estava abandonando o barco, seria eliminado sumariamente como “queima de arquivo”. Vamos conhecer a história do Justino e de outros ex-policiais que estão aqui em Brasília, que vieram não apenas fugindo, mas por que são daqui mesmo, nascidos ou criados na capital federal. Nem todos enveredaram pelos caminhos da “Lei do 44”, referência ao calibre de uma das armas que serviam para a solução de conflitos e como ficou conhecida a atividade dos pistoleiros naquele estado. A maioria resistiu a um esquema que levou muita gente para a bandidagem ou para a morte. Quem conseguiu resistir seguiu carreira militar ou deu baixa e trilhou por outros caminhos profissionais.

Em busca de aventura

A história daqueles jovens começa nos idos de 1982. Era uma manhã de meados de janeiro quando um grupo de oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso armou barracas em vários pontos das cidades-satélites do Gama, Taguatinga e Sobradinho. Eles estavam em busca de jovens que topassem servir naquele estado, sob a promessa de bons salários e condições de trabalho. O esquema de recrutamento era simples, com prioridade para os que serviram ao Exército, em especial em unidades respeitadas como o Batalhão de Guarda Presidencial (BGP), o 1º Regimento de Cavalaria e Guarda (o famoso Dragões da Independência) ou o Batalhão da Polícia do Exército (PE). Mas se aceitava de tudo, conquanto que tivesse boa saúde, nenhum obstáculo familiar e idade entre 18 e 24 anos.

Já era fevereiro quando a primeira leva de dez ônibus com os “recrutados” começou a seguir pela rodovia BR 070, rumo a Cuiabá, capital daquele estado. Até outubro se completariam nada menos que 30 ônibus lotados, num total de cerca de 1.200 jovens. A maioria seguiu seduzida pela possibilidade de um futuro promissor na carreira militar. Alguns quiseram se aventurar pelo desconhecido, um lugar que já no nome suscitava, aos incautos, mistérios, animais selvagens e índios bravos: Mato Grosso. Entre estes estava um ex-dirigente estudantil secundarista, militante do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que foi seduzido mesmo pela perspectiva de viver uma boa aventura. Seu nome: Manoel Alves da Silva Filho. A história dele é um exemplo da resistência de muitos jovens dentro de uma estrutura militar que tinha duas bandas: a oficial, que em tese servia à proteção da sociedade e ao aparelho repressor do Estado; e a extra-oficial, que era o braço armado do crime organizado mato-grossense.


Dos cerca de 1.200 jovens que seguiram para Mato Grosso em 1982, quase a metade desistiu logo nos primeiros meses. A promessa de uma carreira promissora não seria nada fácil de conquistar. Antes de chegar aos prometidos bons salários e às boas condições de trabalho, os novos soldados tinham que cumprir missões em locais remotos em Mato Grosso, especialmente em áreas de conflitos envolvendo garimpeiros, posseiros, grileiros de terras e índios. Inexperientes, as mortes entre eles começaram a ocorrer. Os que sobraram trilharam a carreira, mas uma boa parte dos recrutados enveredou por caminhos nada honrosos, sob o comando de um certo capitão Lepesteur.

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