No
início da década de 80 cerca de 1.200 rapazes entre 18 e 24 anos foram servir a
Polícia Militar daquele estado, sob o fogo cruzado do crime organizado e dos conflitos
entre garimpeiros, grileiros, índios e posseiros. Esta é a primeira parte desta história
Por
João Negrão
Um
ex-policial militar trabalha como segurança em um órgão público de uma região
administrativa de Brasília. Ele é terceirizado, contratado por uma empresa
particular, que presta serviços ao governo do Distrito Federal. Ali cuida da
segurança dos servidores e protege o patrimônio da administração pública. É
querido por todos e considerado simpático e prestativo, apesar da cara de
poucos amigos. Ninguém sabe que este senhor de meia idade, com aparência
cansada e a saúde um tanto quanto debilitada, já foi um dos maiores pistoleiros
no estado de Mato Grosso entre as décadas de 80 e 90.
Parte da turma em curso de formação num dos quarteis de Cuiabá |
Vamos
chamá-lo de Justino. Por motivos óbvios, Justino só aceitou dar entrevista se
sua identidade não fosse revelada. Ainda no final dos anos 90, ele teve que
fazer uma escolha: continuava na vida da pistolagem e morreria cedo e
barbaramente, como muitos outros colegas, ou largava tudo e fugia. Mas antes
teve que dar baixa da Polícia Militar e depois romper com o esquema do crime
organizado que dominou por mais de três décadas Mato Grosso, com ramificações pelo
aparelho policial, no meio empresarial, no Judiciário e em todas as esferas
políticas e administrativas daquele estado.
No
segundo caso, a fuga significava desaparecer de Mato Grosso e cair na
clandestinidade, se exilando longe de lá. Caso soubessem que estava abandonando
o barco, seria eliminado sumariamente como “queima de arquivo”. Vamos conhecer
a história do Justino e de outros ex-policiais que estão aqui em Brasília, que
vieram não apenas fugindo, mas por que são daqui mesmo, nascidos ou criados na
capital federal. Nem todos enveredaram pelos caminhos da “Lei do 44”,
referência ao calibre de uma das armas que serviam para a solução de conflitos e
como ficou conhecida a atividade dos pistoleiros naquele estado. A maioria
resistiu a um esquema que levou muita gente para a bandidagem ou para a morte.
Quem conseguiu resistir seguiu carreira militar ou deu baixa e trilhou por
outros caminhos profissionais.
Em busca de aventura
A
história daqueles jovens começa nos idos de 1982. Era uma manhã de meados de janeiro
quando um grupo de oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso armou barracas em
vários pontos das cidades-satélites do Gama, Taguatinga e Sobradinho. Eles
estavam em busca de jovens que topassem servir naquele estado, sob a promessa
de bons salários e condições de trabalho. O esquema de recrutamento era simples,
com prioridade para os que serviram ao Exército, em especial em unidades
respeitadas como o Batalhão de Guarda Presidencial (BGP), o 1º Regimento de
Cavalaria e Guarda (o famoso Dragões da Independência) ou o Batalhão da Polícia
do Exército (PE). Mas se aceitava de tudo, conquanto que tivesse boa saúde,
nenhum obstáculo familiar e idade entre 18 e 24 anos.
Já
era fevereiro quando a primeira leva de dez ônibus com os “recrutados” começou
a seguir pela rodovia BR 070, rumo a Cuiabá, capital daquele estado. Até
outubro se completariam nada menos que 30 ônibus lotados, num total de cerca de
1.200 jovens. A maioria seguiu seduzida pela possibilidade de um futuro
promissor na carreira militar. Alguns quiseram se aventurar pelo desconhecido,
um lugar que já no nome suscitava, aos incautos, mistérios, animais selvagens e
índios bravos: Mato Grosso. Entre estes estava um ex-dirigente estudantil
secundarista, militante do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que foi
seduzido mesmo pela perspectiva de viver uma boa aventura. Seu nome: Manoel
Alves da Silva Filho. A história dele é um exemplo da resistência de muitos
jovens dentro de uma estrutura militar que tinha duas bandas: a oficial, que em
tese servia à proteção da sociedade e ao aparelho repressor do Estado; e a
extra-oficial, que era o braço armado do crime organizado mato-grossense.
Dos
cerca de 1.200 jovens que seguiram para Mato Grosso em 1982, quase a metade
desistiu logo nos primeiros meses. A promessa de uma carreira promissora não
seria nada fácil de conquistar. Antes de chegar aos prometidos bons salários e
às boas condições de trabalho, os novos soldados tinham que cumprir missões
em locais remotos em Mato Grosso, especialmente em áreas de conflitos
envolvendo garimpeiros, posseiros, grileiros de terras e índios. Inexperientes,
as mortes entre eles começaram a ocorrer. Os que sobraram trilharam a carreira,
mas uma boa parte dos recrutados enveredou por caminhos nada honrosos, sob o
comando de um certo capitão Lepesteur.
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