Andrey Lemos, coordenador nacional LGBT
da União dos Negros pela Igualdade defende que a causa homossexual deve ir além
das paradas gay e ganhar as ruas com politização, debates e mais informação
Por João Negrão
As
tradicionais paradas gay são as manifestações mais visíveis do movimento LGBTT.
Em geral muito animadas, cheia de cores, músicas e manifestações públicas de
afeto, elas estão cada dia mais carnavalizadas e folclóricas. Na opinião de
alguns ativistas gays, a paradas acabam reforçando negativamente o estereótipo do
engraçado e do promíscuo para a comunidade. Andrey Lemos, coordenador nacional
LGBT da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) não é contra as paradas, mas
defende que o movimento gay deve ajudar a “politizar a sociedade, ampliar os
debates, fortalecer o acesso a informação, buscar aliados”, assim “mostrar que
somos diferentes (...), trabalhamos, estudamos, pagamos impostos, merecemos
respeito e oportunidade como o restante da sociedade”. Este é um dos temas da
seguinte entrevista:
Fale um pouco sobre você, suas origens,
formação, atuação política e no movimento negro, estado civil, sua família,
irmãos, pais...
Sou
Andrey Roosewelt Chagas Lemos, nasci em Aracaju, Sergipe, em 1972, sou o filho
mais velho do casal, estudei sempre em escola pública, comecei minha militância
no movimento estudantil em 1987, em 1988 me filiei ao PC do B, em 1994 comecei
a militar na luta anti racismo e em 1999 iniciei no movimento LGBT. Graduado em
História e especialista em Ensino de História, atuei em várias ocupações, como
trabalhar no comércio, em bares, ONG e até gestão pública. Atualmente sou
Coordenador Nacional LGBT da União de Negros Pela Igualdade.
Como é ser negro, gay e comunista e
enfrentar todos os preconceitos, estigmas e fobias?
Não
é fácil, com certeza. Vivemos em um país marcado pela colonização escravagista,
patriarcal e misógina. As pessoas trazem na sua formação o pensamento que devem
determinar o lugar do indivíduo a partir dos seus rótulos. Negam direitos aos
que estão “despradonizados” os que não se enquadram na “norma social” ou os que
fogem da “heteronormatividade”. Ainda somos chamados de minorias, mesmo sabendo
que a população negra é 52% e os homossexuais são a maioria entre as violências
homolesbobitransfóbicas. Um país com a história marcada por vários períodos de
ditadura, e com uma educação que não acessa a todas e todos de forma igual,
pouco acesso a informação e formação, ainda nós, comunistas sofremos muita
discriminação.
Falando em fobia, o Brasil continua
sendo um dos países em que a homofobia é mais forte e tem provocado mais mortes
e outros tipos de violência contra os LGBT. Comente sobre a ausência de leis
para protegê-los e a resistência do Congresso em votar a lei contra a
homofobia.
Como
falei anteriormente, nossa sociedade é marcada pelo machismo, todos que ousam a
enfrentar o machismo e exigir igualdade de oportunidades com os “machos” que
não desejam abrir mão dos seus privilégios, somos, mulheres, gays, lésbicas,
travestis e transexuais, vítimas da intolerância influenciada e justificada
pelo fundamentalismo e o excesso de valores morais que desrespeitam
hipocritamente a diversidade de identidades e a liberdade de expressão. Não
conseguimos eleger nossos representantes, o sistema político está amarrado a
uma lógica financeira e desigual, não temos empresários que financiem
candidaturas de negros e LGBT, não temos sem sequer o respeito dos meios de comunicação
que reproduzem estereótipos e fortalecem o preconceito. Por isso, temos
dificuldade de garantir nossos direitos em um poder legislativo cada vez mais
conservador e preconceituoso.
A causa LGBT parece encontrar amparo no
Executivo e certa guarida no Judiciário, mas se esbarra no conservadorismo no
Legislativo. Agora, com esta nova composição tida como mais conservadora, que
esperanças vocês têm com o novo Congresso que será empossado em 1º de
fevereiro?
Esperanças
no Congresso Nacional? Muito difícil. Uma legislatura ainda mais conservadora
que as últimas, aliás perdemos muitos parlamentares ligados aos movimentos
sociais neste último processo eleitoral, fruto também de um projeto da grande
mídia de criminalização desses movimentos, porém estamos conseguindo garantir
políticas públicas para promover igualdade de oportunidades como ações
afirmativas e instrumentos de promoção de direitos humanos, o judiciário também
tem dado uma parcela tímida de contribuição, mas o legislativo não sabe mais
qual o seu papel, o problema também passa pela educação e pela reforma das
comunicações.
Você é uma das lideranças que articulam
uma nova forma de protestos e visibilidade da causa LGBT em movimentos como a
Parada Gay, que não seja apenas e tão somente festiva como assistimos
atualmente. Fale sobre esta necessidade que você prega de politizar mais o
movimento.
Desculpe
não prego, rsrsrs, não sou pastor, rsrsrs, defendo que precisamos, onde quer
que estejamos, politizar a sociedade, ampliar os debates, fortalecer o acesso a
informação, buscar aliados, mostrar que somos diferentes, mas que não comemos
criancinhas, trabalhamos, estudamos, pagamos impostos, merecemos respeito e
oportunidade como o restante da sociedade. Não podemos continuar aceitando o
lugar do engraçado, do ridicularizado, do promíscuo, do imoral, não somos
piada, somos realidade, discriminados e vítimas da ignorância. Muitas vezes, as
novelas, os meios de comunicação contribuem para nosso estigma, precisamos
brigar por mais espaços, espaços de poder, ocupar os lugares, e com nossa
capacidade descolonizar essa sociedade.
Aliás, a apolitização da vida brasileira
não é apenas do movimento LGBT, bem como dos negros, das mulheres e até dos
estudantes. Pode analisar estas situações?
Como
falei anteriormente, temos problemas na educação e também nos meios de
comunicação, não podemos avançar com todo o sistema de comunicação brasileira
controlado por algumas famílias que representam os interesses de grupos
econômicos que querem continuar controlando o país. Precisamos de uma política
de educação e de comunicação que contemple a diversidade presente em nossa
sociedade, precisamos de uma reforma política que possibilite uma verdadeira
representação do conjunto de seguimentos da sociedade. Precisamos também
compreender que os movimentos sociais tem especificidades, mas que precisamos
também fazer um debate maior ´que é a questão da luta de classes, temos que compreender
que o racismo não é um problema apenas dos negros e negras, assim como o
machismo não é um problema apenas das mulheres e a homofobia não agride apenas
a comunidade LGBT, são fenômenos que aumentam a violência e violação de
direitos, consequentemente entravam o desenvolvimento da sociedade e aumentam
as desigualdades, precisamos vencer essas desigualdades, para isso, precisamos
no conjunto dos movimentos sociais encontrar as bandeiras que nos une e
mobilizar para mudar o nosso país.
Como você vê o movimento LGBT no
Distrito Federal?
O
movimento LGBT no Distrito Federal tem grandes quadros, militantes
comprometidos, qualificados, porém estamos atravessando no país um processo de
perseguição aos movimentos sociais, o subfinanciamento via na contramão do
empoderamento dos seguimentos, precisamos ter instrumentos de fortalecimento da
atuação dessas instituições.
Algo que não perguntei que você gostaria
de comentar, acrescentar?
Fico
muito feliz em poder compartilhar minhas ideias com seus leitores, gostaria que
nós ativistas, lideranças dos movimentos de negras e negros, LGBT, de mulheres,
pudéssemos, ou melhor, tivéssemos mais oportunidades de apresentar nossas
demandas e contribuir para a construção de um estado que realmente seja laico,
livre e democrático. Precisamos de mais igualdade de oportunidades, e que mesmo
sendo diferentes, devemos ser respeitados em nossas diferenças e termos a
igualdade na garantia dos direitos e da liberdade.
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