sexta-feira, 20 de abril de 2012

Quero um filho gay


“A dor/ te iguala a ratos e baratas”. Estes versos do poema “A Alegria”, do poeta maranhense Ferreira Gullar sempre me instigou. Reforça-me a percepção que tenho de que somos animais tão quão abjetos que insetos e o mais desprezível dos roedores.

O ser humano não é mais que qualquer outro bicho na fase da Terra. Exceto pela idéia que ele criou de que o demiurgo nos fez a sua semelhança. Ainda que tenha copiado a estrutura genética básica dos mamíferos e nos dotado de instituto selvagem, como dos lobos, leões, baleias, macacos e ratos.

A idéia, porém, ganhou força. Como resumiu bem Marx: “As idéias ganham força material quando penetram no seio das massas”. Não sei bem onde ela perpetuou. Esta é uma situação para mim muito misteriosa. Como tal idéia conseguiu prevalecer num mundo totalmente contrário? Sei que há explicações sociológicas, antropológicas, políticas e econômicas para isto. Sobretudo políticas. Não me dei ao trabalho de aprofundar no tema. Mas não o perco de vista.

Pois bem. A diferença de nós para outros animais é justamente a idéia que criamos de que somos superiores, porque fomos feitos à semelhança de Deus. Somos eternos, porque não morreremos simplesmente e, sim, vamos para o paraíso e ficaremos sentados ao lado do Senhor.

E aí eu fico me interrogando: como que seres tão privilegiados assim, cujos espíritos vão subir aos céus, tenham seus corpos com destinos iguais aos dos outros seres vivos? Sim, porque não sei se você já viu e sentiu, caro leitor: o cadáver de um humano se decompõe e fede tanto ou mais que de qualquer outro animal.

No início da minha carreira de jornalista fiz muitas matérias policiais. Aliás, todo foca (jornalista iniciante) começa, invariavelmente, fazendo cobertura policial, que para mim é uma escola no jornalismo. Nas minhas andanças atrás da polícia descobrindo corpos desovados, pude perceber pelo meu olfato (quem é bastante apurado) que o fedor de um corpo humano em alto estágio de decomposição só não é maior do que a fedentina de uma galinha apodrecendo.

Então, neste plano material, pelo menos, não considero que somos melhores que outros seres vivos. Me conformo com meu destino natural de voltar ao chão (seja sepultado ou cremado) e me transformar de novo em átomos.

Felizmente (ou infelizmente – não sei ao certo), a esmagadora maioria das pessoas não pensa como eu. O ser humano em geral, e em qualquer circunstância, se vê para além de tudo isto, tendo ou não religião.

Ocorre, no entanto, que há seres humanos que se imaginam mais seres humanos que os outros. E alguns mais ainda porque se consideram representantes, porta-vozes de Deus, aqui na Terra. Como se uma luz divina chegasse, numa “revelação”, e o apontasse: “você fale por Mim, propague Minhas palavras e arrebanhe fiéis, e, em Meu Nome, salve o mundo, cure as almas”.

Mas todos nós sabemos que não é bem assim. Sabemos que, em uma parte dos casos, o “representante” se torna “representante” porque ele, por uma circunstância e outra, se desentendeu com outro “representante”, o que se considera “representante mor” e se intitula “bispo”, “apóstolo”, etc.. E como não cabe numa mesma cercania dois “representantes” de tal nível, o “representante” menor vai criar a sua própria denominação para ser nela o mor.

Algumas pessoas acham isto ótimo, porque, me dizem amigos evangélicos, “haverá mais gente pregando a palavra do Senhor”. Eu penso diferente. Entendo que os fins não justificam os meios. Ou seja, não creio que em nome da quantidade, pouco importa a qualidade do pregador e da pregação. Penso que isto é grave.

Eu respeito todas as igrejas evangélicas tradicionais e avalio como positiva a ação de muitas igrejas neopentecostais. Considero o trabalho de todas elas muito sério, honesto, importante para as pessoas, individualmente, e para o conjunto da sociedade. Por isto, me incomoda o fato de membros dessas igrejas sérias comprarem a briga dos picaretas, dos charlatães. Tudo em nome de um corporativismo que não se justifica.

É preciso separar o joio do trigo. È preciso compreender o que vem por detrás de posicionamentos atrasados, em nome de uma conduta religiosa duvidosa. Digo isto porque, ao publicar meu artigo anterior (Sou bi ou não sou bi, eis a questão), muitos amigos e conhecidos evangélicos se sentiram ofendidos com minhas palavras.

Fui chamado de intolerante por criticas os fundamentalistas evangélicos e chamá-los de malucos. Pois mantenho a minha crítica. O fundamentalismo, seja ele religioso ou político, é muito maléfico para a sociedade. A história da Humanidade mostrou e mostra isto. No âmbito da religião, estão aí as guerras que destoem inclusive povos irmãos. No âmbito da política, vou citar apenas a da ideologia da qual sou adepto, o socialismo.

Fundamentalistas marxistas, por exemplo, que levaram ao pé da letra ou interpretaram erroneamente a doutrina de Karl Marx, cometeram as piores atrocidades contra seus semelhantes, irmãos, camaradas. Tudo em nome do bem-estar do povo, da criação de uma nova sociedade.

Nos meios políticos de esquerda sempre se combateu o que chamamos de “espírito de seita”, comportamento que causa estreiteza política e leva ao sectarismo. E com ele acompanha as atrocidades, algumas delas desembocando em danos individuais e coletivos. Quer queiram ou não, tal comportamento é comum em alguns círculos religiosos, seja de que vertente for: católica, islâmica, evangélica e de matriz africana.

Ao darem uma interpretação exclusiva à Bíblia, os fundamentalistas estreitam a margem de interpretação da palavra de Deus e não admitem que possa haver outras interpretações. E caem, irremediavelmente, em contradições atrozes.

Vou dar alguns exemplos: assim como a Bíblia diz que Deus criou o homem para viver e procriar com a mulher, e por este entendimento, a relação homossexual contrariaria a palavra divina, ela também mostra e admite também outras situações. Dependendo de que as praticaram, a favor de quem ou contra quem as praticaram.

Vamos a elas: a poligamia, a escravidão, a matança (tudo em nome de Deus), a subjugação da mulher, o infanticídio, o fratricídio, os embustes de todas as formas, a traição, a rapinagem... A lista é longa.

Então vamos admitir que tudo que se admitiu na Bíblia possa continuar sendo admitido agora.

Mas esta não é, para mim, a questão central. Eu vejo na Bíblia a palavra de Deus e as interpreto de acordo com minhas convicções éticas e morais e não de minhas conveniências. Penso que os fundamentalistas a interpretam dentro de suas conveniências, mesmo que elas os levem a contradições irremediáveis.

Se você chegou até aqui na leitura deste texto deve estar se perguntando: o que tem tudo escrito acima a ver com o título deste artigo?

Eu respondo: aparentemente nada. Só quis fazer uma referência a uma das reações raivosas ao meu texto anterior, quando algumas pessoas praguejaram que se eu tivesse um filho gay “ia saber o que é bom para tosse”.

Pois então, meus prezados e minhas prezadas, quem me conhece sempre soube que desejei um filho gay. Tenho quatro filhos. São duas moças e dois rapazes. Até hoje, infelizmente, nenhum deles se orientou para a homossexualidade. Por lamentar isto, resolvi adotar um filho gay, o Valdomiro Arruda. A-do-ro quanto ele me chama de papi. Beijos, meu filho do coração e da admiração!

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