terça-feira, 24 de abril de 2012

A violência da violência da violência...


As meninas no Brasil passaram agora, com a decisão do STJ, à condenação em série: à violência da violência da violência... A prostituição por si só já é uma violência. Tem gente que pensa que elas estão por aí nas ruas porque querem, porque esta é uma opção de vida e ganhariam mais dinheiro do que trabalhando de empregadas, zeladeiras, diaristas ou canavieiras. Tem gente que até romantiza a tida como “profissão mais antiga do mundo”.

Com tudo isto esquece que está embutida, já de chegada, a violência social. A falta de perspectivas materiais, emocionais, culturais e estruturais é que empurra a esmagadora maioria das prostitutas para a vida que levam. E com todos os riscos que estão aí inseridos: doenças, agressões, mortes. Eis a segunda violência. E quando essas prostitutas são meninas de 12, 13, 14 anos, não se imagina o nível de violência a que elas sofreram para chegar aí e no cotidiano de suas vidas violentadas.

Não sei se um ministro do Superior Tribunal de Justiça tem noção do que é uma menina deixar de estudar, brincar e sonhar para ter que ganhar a vida vendendo seu corpo. Fico aqui imaginando esses senhores, no alto de suas supostas sabedorias, tomando decisão tão cruel: desde que sejam elas prostitutas, transar com elas não se configura estupro. Ou seja, eles livram a cara de pedófilos, de doentes mentais e outras aberrações e condenam as meninas a mais violência. Quem mandou ser prostituta: f...-se!

Esta é a lógica cruel da decisão do STF. Ao invés de proteger nossa infância, os ministros se dispuseram a proteger os que estão por aí agredindo nossas meninas com suas taras incontidas. Fico até imaginando o sujeito sendo flagrado no motel com uma menina de 14 anos e se justificando: “Ela é prostituta. Peguei na rua, estava se oferecendo...” Ou talvez nem tenha mais flagrante. Quem agora vai se importar em denunciar esses monstros já que a Justiça os protegem?

Pois nossas meninas ficaram sem proteção e a esta falta de atendimento do Estado seguem-se outras violências por negligência do Estado. A começar pela própria violência de se admitir que adolescentes que mal formaram o corpo, que não possuem discernimentos sobre suas próprias vidas, invariavelmente exploradas por adultos (muitas vezes, país, tios, primos e irmãos, vizinhos) que as levam para a prostituição, assim vivam. Quem as protegerá deles, desses seus algozes dentro da própria casa? Quem vai punir esses gigolôs?

Se não é mais estupro transar com meninas de até 14 anos prostitutas, muitos desses criminosos vão se sentir a vontade para corrompê-las. A decisão, a meu ver, estimula também os exploradores, os pais, mães e outros monstros no seio de famílias desajustadas, de onde elas, as meninas, sofrem outros tipos de violência. Inclui-se a própria iniciação sexual violenta, incestuosa, por vezes. Sem contar outros abusos cotidianos. E sem falar da falta de comida, de brinquedos, de saúde, de estudos, de futuro.

A decisão do STF, ao absolver um réu que teve relações sexuais com três meninas de 12 anos tidas como prostitutas, criou uma jurisprudência atroz, pois flexibilizou um crime que é crime e violência, independentemente de a vítima ser ou não prostituta. E se for, acaba por desqualificar um crime e punir a vítima já vítima de infinitas violências. A decisão termina por legitimar a perda da inocência de milhares de meninas que, a esta hora exatamente, estão pelas ruas de nossas cidades à espera da sanha de monstros e suas taras.

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