Toni (primeiro plano) na frente da república em que morou em Cuiabá, próximo ao local onde foi assassinado em 22.09.2012 |
Neste
dia 22, os juízes de Direito, os delegados de polícia e os comandantes
militares estarão se espreguiçando em suas camas king size, em seus amplos sofás
ou em suas redes no conforto de seus lares ou, quem sabe, em suas casas de
campo na Chapada dos Guimarães ou às margens do lago do Manso. Se não o
estiver, poderão estar em algum lugar curtindo um jantar familiar na avenida do
CPA, na Getúlio Vargas ou na Fernando Correa. N’alguma pizzaria, talvez...
Àquela
hora exatamente, o governador Silval Barbosa, os senadores da República, os
deputados federais e estaduais de Mato Grosso e seus bajuladores de plantão
estarão em alguma reunião social ou em articulações em prol de seus candidatos
ao Palácio Alencastro ou ainda maquinando alguma investida não republicana não
se sabe onde e em quê. Poderão ter escolhido uma pizzaria qualquer, num canto
reservado, longe dos corredores que levam ao toalete ou ao caixa. Longe de
ouvidos inconvenientes, portanto, às suas conspirações.
Feito
os homens da lei e do poder em Cuiabá, a maioria dos cerca de 600 mil
habitantes da capital mato-grossense estarão seguindo suas vidas normalmente. Permanecerão
em casa, colocarão os filhos para dormir, se amarão, se prepararão para
sair para alguma balada, perambularão pelo Chopão, Lúcius do Caju, Chorinho,
Tom Chopin ou estacionarão seus carros em algum estabelecimento do Posto Zero
ou da saída para a Chapada... Ou ainda estarão comportados em alguma pizzaria,
quem sabe...
A
vida seguirá normalmente na noite quente de Cuiabá, com seu mormaço concomitantemente
acolhedor e delirante. Nenhuma ameaça pesará sobre as cabeças de seres humanos
naturalmente protegidos pela lei e pelo poder a eles investidos de um jeito ou
outro. Seja pelo concurso público, pelo voto popular ou pela impunidade que os
homens da lei e do poder lhes conferiram.
Será
assim com os assassinos de Toni Bernardo da Silva. Higor Marcell Mendes
Montenegro, Wesley Fagundes Pereira e Sérgio Marcelo Silva da Costa muito
provavelmente estarão ser divertindo no calor da impunidade em algum canto de
Cuiabá. Estarão eles no aconchego de seus lares, com seus pais e irmãos, com suas
esposas e namoradas, com seus amigos em alguma festa de aniversário? Estarão
eles sorvendo goles de cerveja para amenizar o calor de seus corpos ou para o
estímulo de seus desejos incontidos? Estarão eles saboreando algum prato para lhes
saciar a fome. Estarão eles n’alguma pizzaria da avenida do CPA, da Fernando
Correa, da Getúlio Vargas, da Alziro Zahur ou de outro canto qualquer do bairro
Boa Esperança?
Não
sei dizer o que os homens que se propõem melhorar o futuro de Cuiabá, os que
estão no poder e dizem fazer o melhor para Cuiabá e os que, investidos da lei,
deveriam zelar pelo melhor para Cuiabá estarão fazendo ao certo por volta da
meia noite deste sábado, 22 de setembro. Não sei dizer o que Higor, Wesley e
Sérgio estarão degustando. Não sei se ao entornarem um gole de cerveja ou um
naco de pizza boca adentro suas traqueias farão um nó, como o nó que se forma
na garganta dos angustiados, arrependidos e atormentados em geral.
Irão
eles se lembrar que o pontapé de um de seus sapatos foi o responsável pelo
estouro da garganta de Toni Bernardo, que arrebentou-lhe a traqueia o matou por
asfixia? Não sei quais os pensamentos deverão passar pelas cabeças dos três
assassinos do Toni na noite deste sábado, 22 de setembro. Mas longe daí eu sei
o que se passa pela cabeça e o coração dos amigos, dos familiares e dos colegas
do Toni.
Seus
filhos, Mateus, Tozi e Nanda estarão tristes com a impossibilidade de conviver
com o pai para sempre. Seus pais, em especial a mãe, dona Cecília, estará com
aquela dor que só as mães sabem o que é a perda de um “pedaço de mim”, arrumar
um quarto, colocar o prato e talheres na mesa e espreitar por portas e janelas
esperando que ele apareça nem que seja para um último abraço.
Seus
amigos e colegas da UFMT africanos continuarão carregando o peso do preconceito,
da discriminação e do estigma de serem de um lugar que a maioria dos
desinformados imagina ter apenas violência, doenças e pobreza. Em suas
ignorâncias não sabem que a África é um continente com 55 países, que é o berço
do ser humano, que deu e dá significativas contribuições para a Humanidade, mas
que tem níveis diferenciados de desenvolvimento, tal qual as diferenças socioeconômicas que
existem na América, na Ásia, na Oceania e na Europa. Para os racistas e
ignorantes, prevalece a cor da pele e a herança escravista, tão propalada nos
livros didáticos pelos quais certamente Higor, Wesley e Sérgio “aprenderam” no
ensino fundamental.
Os
amigos do Toni de Cuiabá e o do resto Brasil continuarão seguindo suas vidas,
mas carregando na boca o gosto amargo da injustiça e o peso nefasto da
impunidade pairando ameaçadoramente sobre suas cabeças no cotidiano de seus
caminhos rumo ao entretenimento, ao trabalho, à escola, a suas casas; lembrarão
que este país e este mundo poderiam ser diferentes e que os desvalidos poderiam
obter amparos, pois todos são dignos da vida; pois a UFMT, o MEC, o Itamaraty,
o governo de Mato Grosso, a sua polícia e a sua justiça, poderiam todos zelar
pela vida incondicionalmente e não se abraçar numa vergonhosa omissão e
justificativas que beiram à estupidez humana.
Assim,
eu sei o que se se passará pela cabeça dos amigos e colegas do Toni; o que
passará pela consciência de todos cuiabanos e mato-grossenses do bem. Eu sei:
estarão todos, assim como eu, se sentindo desamparados e clamando ainda por
justiça, 365 dias depois de um assassinato que levou consigo a vida de mais um
jovem negro, pai, filho, amigo e irmão, mas que aprofundou em nós a necessidade
de lutar cada vez mais contra o racismo e a injustiça.
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