A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA (Organização dos Estados
Americanos) vai analisar denúncia contra a Polícia Militar de Mato Grosso de
agressão aos direitos humanos no caso do assassinato do estudante africano Toni
Bernardo da Silva. A representação foi feita por diversas entidades dos
movimentos social e sindical brasileiros, mobilizados pela União dos Negros
pela Igualdade (Unegro) do Distrito Federal.
A
denúncia foi apresentada à CIDH depois que o Comando da PM de Mato Grosso decidiu,
em junho do ano passado, inocentar os dois policiais que participaram do
assasssinato do estudante Toni Bernardo da Silva, em setembro de 2011. Na época
eles foram presos em flagrante junto com um empresário, depois de espancarem o
estudante de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), natural de
Guiné-Bissau.
A
abertura de análise sobre o caso é o primeiro passo para a instauração de um
processo de investigação do desrespeito aos direitos humanos. A denúncia foi registrada sob o número
P-1333-12. “A denúncia se encontra em estudo de acordo com as normas regulamentares
vigentes”, informou o secretário executivo da CIDH, Emilio Álvarez Icaza L.. “Oportunamente
entraremos em contato para comunicar o resultado do estudo preliminar”,
acrescentou.
Segundo
o escritório da CIDH em Brasília, caso o resultado seja pela abertura do
processo, terá início a coleta de informações e depoimentos. “Desde já estamos
solicitando às entidades de Mato Grosso para que nos repassem publicações e
documentos tanto do Caso Toni, como o dos argentinos e de outras agressões da
PM mato-grossense, como o ocorrido contra estudantes da UFMT recentemente”,
solicitou a coordenadora geral da Unegro do Distrito Federal, Santa Alves.
“Não
apenas a Polícia de Mato Grosso, mas também o aparato policial em todo o Brasil
tem um histórico de agressão aos direitos humanos, em especial contra os jovens
negros. Os africanos que vêm para o nosso país estudar não estão imune a estas
agressões. Além do Toni, vários outros estudantes africanos têm sido vítimas
pelo Brasil afora”, observou Santa Alves.
A
coordenadora da Unegro informou que a entidade está catalogando junto às
Ouvidorias da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e
da Secretaria de Direitos Humanos, ambos órgãos da Presidência da República com
status de Ministério. “Queremos ainda a participação de outras entidades do
movimento negro e organismos estaduais neste trabalho”, acrescentou.
Confira
abaixo a denúncia à CIDH da OEA:
Brasília (DF), 05 de junho de
2012.
À Comissão de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA)
NESTA
As entidades dos movimentos
sociais e sindical do Distrito Federal e de Mato Grosso, infra-assinadas, por
meio desta, denunciam o governo do Mato Grosso junto a esta Comissão dos
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pelos motivos que
seguem:
1 - A decisão do Comando Geral da
Polícia Militar do Estado de Mato Grosso de inocentar, em inquérito
administrativo, os policiais Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes
Pereira, da acusação de participação na morte do estudante africano Toni
Bernardo da Silva, natural de Guiné-Bissau, que cursava Economia na
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ele morreu em setembro de 2011,
espancado pelos referidos policiais e mais um empresário em uma pizzaria no
bairro Boa Esperança, em Cuiabá, capital do Estado. Entre os vários ferimentos
causados por socos e pontapés, ele teve a traqueia rompida e morreu por
asfixia.
2 – A posição da PM de Mato
Grosso e, por extensão, do governo do Estado, gera a impunidade que estimula
outros atos de violência policial, como o verificado recentemente contra dois
turistas argentinos que foram violentamente espancados por dois policiais
militares a paisana dentro de uma casa noturna na capital mato-grossense.
3 - Estes episódios, por
envolverem estrangeiros, ganharam notoriedade, mas sabe-se que diariamente
cidadãos mato-grossenses têm sido vítimas de uma polícia truculenta e
despreparada. Esses crimes, que vão de prisões arbitrárias, forja de provas com
“plantações”, a torturas e assassinatos, permanecem impunes devido ao
corporativismo nefasto, como o manifestado no resultado do inquérito
administrativo da PM, e pelo poder ameaçador e intimidador dos policiais e seus
comandados.
4 - Por esta razão, entendemos
que, com a decisão, o governo do Estado de Mato Grosso não apenas inocenta os
policiais, como abona atitudes, estimula a impunidade e passa a ser
flagrantemente cúmplice com os crimes que seus policiais cometem
cotidianamente.
5 - A absolvição administrativa
dos dois policiais pelo comando da Polícia Militar soma-se a outras decisões
estimuladoras da violência policial tomadas pelo Ministério Público e pela
Justiça de Mato Grosso que tendem a tornar impune o assassinato do Toni ou ao
menos amenizar ao máximo a condenação dos acusados. Muito embora o inquérito da
Polícia Civil tenha concluído que houvera assassinato, acabou sendo tipificado
como lesão corporal seguida de morte pelo Ministério Público Estadual. Num
primeiro momento a Justiça local não acatou tal encaminhamento, considerando
que Toni Bernardo fora, sim, vítima de assassinato. Mas a própria Justiça reviu
a decisão, acatando a versão de lesão corporal seguida de morte.
6 - Diante de tais decisões, os
acusados estão respondendo o inquérito em liberdade e não serão levados a júri
popular. No caso dos policiais, os mesmos já voltaram trabalhar nas ruas de
Cuiabá, atuando na “segurança da população”. Por isto indagamos: que tipo de
segurança agentes públicos garantirão à população diante da concessão por seus
comandados e com a conivência do governo de Mato Grosso estão isentos para
espancar e matar cidadãos?
Diante do exposto, solicitamos
que os organismos acompanhem de perto e assiduamente o caso, cobrando do
governo de Mato Grosso explicações e exigindo a revisão do inquérito administrativo
da Polícia Militar, que fatalmente irá influenciar no julgamento a favor dos
acusados.
Solicitamos ainda que diante de
uma eventual recusa do governo de Mato Grosso de reparar a atitude no mínimo
vergonhosa de sua Polícia Militar, analisem a possibilidade de condenação por
conivência e cumplicidade com as agressões aos Direitos Humanos.
Assinamos:
- União dos Negros pela Igualdade
do Distrito Federal (Unegro-DF)
- Grupo Tortura Nunca Mais
- União Brasileira de Mulheres
(UBM)
- Movimento Negro Unificado (MNU)
- Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB) do Distrito Federal
- União dos Negros pela Igualdade
de Mato Grosso (Unegro-MT)
- Grupo de União e Consciência
Negra de Mato Grosso
- Comissão de Jornalistas pela
Igualdade Racial de Mato Grosso (Cojira-MT)
- Comissão de Jornalistas pela
Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF)
- União dos Negros pela Igualdade
de Sergipe (Unegro-SE)
- Instituto de Mulheres Negras
(Imune)
- Movimento de Inteligência Negra
(MIN)
- Centro Nacional de Cidadania
Negra
- Federação de Umbanda e
Candomblé de Mato Grosso
- Associação Mato-grossense dos
Portadores de Anemia Falciforme
- Federação das Associações
Quilombolas de Mato Grosso
- Instituto de Formação, Estudo e
Pesquisa de Mato Grosso
- Centro de Organização e Defesa
da Criança e Adolescente
- Instituto das Tradições de
Cultura Afro-brasileira
- Instituto Afro Barra do Bugres
(MT)
- Associação dos Filhos e Amigos
de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT)
- Centro de Educação e Cultura
Popular de Taguatinga
- União dos Negros pela Igualdade
de Pernambuco (Unegro-PE)
- Sindicato dos Auxiliares de
Administração Escolar em Estabelecimentos de Ensino do Distrito Federal
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