Os dois longas
mato-grossenses estiveram em mostras no 52º Festival de Brasília do
Cinema Brasileiro
Por João Negrão
A semana que se
passa foi frenética em Brasília. Os acontecimentos que nos fazem
acordar diariamente de um pesadelo já engatando em outro, mantiveram
o tom na movimentação política incessante. Para quebrar esse ritmo
alucinante, que por ora não merece referência, a semana teve o
feérico Festival de Cinema de Brasília e nele duas produções de
Mato Grosso – Loop e A Batalha de Shangri-lá -, de dois jovens
cineastas de Cuiabá, deslumbrando as plateias que as assistiram na
quarta (27) e no sábado (30).
Antes de prosseguir,
meu registro de amigo e de meio tiozão, pois, ao menos
profissionalmente, vi crescer Severino Neto e Bruno Bini no meio
publicitário de Cuiabá e o encantamento de ambos pelo audiovisual
nas lidas diárias deles, e aqui especialmente a paixão pelo cinema.
Cada um a seu modo fez mover suas veredas pela sétima arte e suas
construções como roteiristas e diretores.
Tenho comigo que
Neto e Bruno carregam a ancestralidade de Amauri Tangará e Luis
Borges, em seus pioneirismos e insistência àquela época
quixotesca, não muito distante, naquele Mato Grosso que persistia
numa fama nefasta. Neto e Bruno são, também, crias, cada um a sua
forma, na frequência das mostras e festivais de cinema de Cuiabá.
E, ainda, se forjaram emblemas daqueles meninos e meninas que saíram
do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), guiados por seus mestres que, em certa medida, foram
meus também, mais que colegas.
Aqui em Brasília e
pelas minhas não muitas andanças foi fácil perceber que os
mato-grossenses em geral e os cuiabanos em particular não deixam a
desejar em áreas da Comunicação, estando em paralelo ou mesmo à
frente do muito que se faz em termos de publicidade, propaganda,
marketing, audiovisual e cinema. Neto e Bruno são provas disso.
E aqui em Brasília
estiveram e pude desfrutar de suas companhias e de suas criações.
Um dos mais importantes do país e do mundo, o Festival de Brasília
do Cinema Brasileiro, termina neste domingo em sua 52ª edição.
Severino Neto está na Mostra Paralela Território Brasil com o seu A
Batalha de Shangri-lá; e Bruno Bini veio com Loop, que participa da
Mostra Competitiva. Os dois longas foram muito aplaudidos em suas
exibições de estreia no festival.
Loop e A Batalha de
Shangri-lá são dois filmes densos, com temas fortes e se
desenvolvem em roteiros muito bem elaborados e amarrados. Trago aqui
apenas um breve panorama conjunto de um mero espectador e de um
orgulhoso fã dos dois diretores.
As duas películas
promovem ritmos distintos, com temas distintos e narrativas idem. Mas
possuem uma certa identidade. Loop traz a instigante temática da
viagem pelo tempo e espaço, costurando uma história de amor densa,
próxima ao delírio. Em verdade vi nele mais de uma história de
amor. A pegada futurista é o de menos. Há quem o enquadre como
filme de ficção científica. Este olhar exclusivo, ou ainda que
prioritário, é desonesto. A narrativa circular engaveta mais que
tempos e espaços em torno de Daniel.
Há identidade entre
os dois filmes porque é lícito mais que intuir certas semelhanças
entre as duas histórias. O Daniel, de Bruno, se arrisca retornar ao
passado para tentar consertá-lo para ser feliz no futuro. O João,
do Neto, revolve no presente seu passado, para tentar salvar seu
futuro íntimo e inseguro. Outra convergência é a violência
doméstica com desdobramentos que acabam por justificar atos e
intenções de parte de seus personagens.
Outro aspecto que me
chamou a atenção: embora as fotografias possuam em ambos certa
aparência, a condução das câmeras traçam particularidades
importantes nas percepções da trama. Em Loop Ulisses Malta Júnior
conduz as imagens com câmeras fixas e movimentos abertos que
permitem ao expectador adentrar de forma leve, ainda que
perturbadora, na história.
Em A Batalha de
Shangri-lá Marcelo Biss orienta a operação das câmeras na mão, no mais das vezes fechada e com foco
quase que exclusivo nos personagens, com as paisagens de fundo desfocadas. Tudo a possibilitas sentir a densidade
dramática da história. A tensão está presente a todo o momento e
torna o todo igualmente perturbador, mas psicologicamente mais
profundo.
Impossível não se
sentir um Daniel, com todos os nossos desejos frente a um amor e seus
desencontros, em qualquer dimensão, tempo e espaço. A relação
quase edipiana com a irmã, a defesa dos entes queridos que possa até
justificar sedes de justiça - ou justiçamento. Vejo aí as outras
histórias de amor que menciono acima.
Igualmente, a mim
particularmente, a identificação com o João vem indiretamente. Pai
de dois filhos adotivos, acompanhei com o mais velho, já entrando na
fase adulta, suas angustias perante a oportunidade de conhecer a mãe
e parte da história de sua vida. O pequeno, na pré-adolescência,
começa a fazer os irremediáveis questionamentos: Quem é ela? Onde
está? Como vive? Quando poderei conhecê-la?
O João de A Batalha
de Shangri-lá terá mais que esta revelação após uma densidade
que percorre cada detalhe das imagens, dos enquadramentos e
sequências, até que a atrocidade de um Brasil atual nos confronta
como um soco na boca do estômago. Corajosamente, Neto escancara ali
a hipocrisia, a insanidade religiosa e a crueldade do preconceito.
Assistir Loop e A
Batalha de Shangi-lá é um encantamento. A começar porque estamos
lidando com cinema de alta qualidade, com nada a dever para ninguém.
Depois porque as histórias nos provocam o prolongamento da percepção
que só a boa arte é capaz de nos imprimir e ajudar a mudar nossos
sentidos, em todas as vertentes. Por fim, porque dá um orgulho
danado desses dois “meninos” sensacionais.
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