Querida
Regina,
Vi uma foto sua na manifestação antidemocrática de domingo (19.04) pedindo volta da ditadura militar e do AI-5. Eu fiquei muito perturbado, Regina. Não que eu não saiba que você é bolsonarista e cultiva desde sempre ideias conservadoras. É que ali vi uma coisa que me fez pensar o quanto pessoas como você se nutrem em meio à insanidade.
Regina,
sou seu fã desde 1991, quando a conheci em sua agência no edifício Milão. Fui
lá entrevistá-la não me lembro para qual matéria para o jornal A Gazeta. Sabe
aquela coisa de se identificar com a pessoa logo de cara e passar a gostar dela
de forma gratuita, sem saber o por quê? Então, foi assim que a senti no meu
coração.
Você
me mostrou uma mulher forte e eu adoro mulheres fortes. Me encanto com essas
criaturas que vão à luta, se impõem, matam alguns leões por dia, se transformam
em exemplos para as mulheres em geral. Além disso, Regina, você é uma mulher
bela e, para mim, o mais atraente, uma mulher muito elegante.
Bela,
atraente, elegante e que cultiva um ar pueril próprio das mulheres especiais.
Tanto que naquela foto que vi sua em frente ao 44º Batalhão de Infantaria
Motorizada você está com a mesma carinha de menina precoce de quase 30 anos
atrás quando a vi pela primeira vez.
Regina,
nós dois tivemos pouca convivência pessoal. Acho que quase nenhuma. Nossos
encontros sempre foram nos âmbitos profissionais. Mas isto não me deixa
esconder que você é um ser humano muito especial para mim. Há aqui um carinho e
admiração inexplicável. Talvez se explica a gratuidade da atração fraternal,
mas também, confesso, da minha “fúria de macho” ante a sua sensualidade
imprescritível, como descreve Gullar em um de seus melhores poemas.
Por
tudo isto, mas especialmente por ver um contraste imperdoável entre sua elegância
e fineza, que foi a mim perturbador ver aquela foto. Na minha ingenuidade
incurável, penso que esse tipo de coisa não combina com você. Não sou ingênuo
suficiente para não constatar que você fez escolhas – nos ambientes
profissional e pessoal – totalmente dissemelhantes às minhas. Não cultivo, nem
de longe, a ilusão de que estamos em campos iguais no sentido
político-ideológico.
Mas,
Regina, ao contrário do que dissemina seu ídolo, a polarização na conjuntura
atual não é entre esquerda e direita. O que está em jogo no presente momento é
o antagonismo entre a civilização e a barbárie. Há, registrado ao longo da
história, posicionamentos de lados e de outros – esquerda, centro, direita e
isentões desonestos – pela barbárie e pela civilização.
Portanto,
no presente momento da nossa História, há gente de direita e de esquerda,
juntos, contra a barbárie. Assim como houve no Brasil e no mundo, gente de
esquerda e direita, contra a civilização. Por esta razão, mesmo reconhecendo
que você é uma pessoa com posicionamentos políticos, ideológicos e, portanto,
de classe, conservadores, reconheço que você é uma mulher humanista e a frente
de seu tempo. Eis aí, o contraste, Regina!
Nós
vivemos um tempo em que o retrocesso civilizatório está conduzindo pessoas
magníficas para um rumo cruel. Toda a delicadeza e encanto de gente como você,
Regina Kaiser, se dilui no bojo dessa insanidade. Quero que você saiba que isto
causa o mesmo desconforto entre as pessoas que a amam e admiram.
Eu
não tenho nada contra quem é de direita. Eu sempre relato a amigos que as
pessoas que estão no campo totalmente oposto ao meu no âmbito
político-ideológico foram as que mais me respeitaram pessoal e
profissionalmente. Por esta razão eu sou um admirador dessas pessoas. O
respeito e a admiração são mútuos.
Ser
de direita não é sinônimo de ser insensível aos dramas humanos. É claro que
essa direita “civilizada” não vai contrariar seus interesses ideológicos,
políticos e de classe, especialmente. Porém, esses direitistas civilizados
querem o desenvolvimento da sociedade, ainda que nos limites de seus interesses
acumulativos.
Vamos
a alguns exemplos de posturas humanistas e civilizatórias.
Eu
convivi com governadores de direita que tiveram posturas importantes para o
desenvolvimento da sociedade mato-grossense. Foi um governador de direita,
junto com seu vice idem que deram vazão ao projeto de um professor de esquerda
e criaram a nossa Universidade Estadual de Mato Grosso, a gloriosa Unemat. Estou
falando de Jayme Campos, Osvaldo Sobrinho e Carlos Maldonado.
Outro
exemplo: foi um governador de direita que estabeleceu uma das melhores relações
com os povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais,
respeitando seus territórios, levando melhorias e valorizando sua cidadania.
Estou falando de Blairo Maggi. Na mesma linha, tivemos um governador de
centro-esquerda que promoveu o maior investimento na humanização de seu
aparelho policial e evitando que não houvesse em seus oitos anos uma repressão
feroz contra o povo. Falo de Dante de Oliveira.
Contudo,
Regina, nesses tempos insanos de ódio, estamos vendo políticos e pessoas comuns
do povo pregando a destruição não apenas da nossa democracia, mas especialmente
da nossa conquista civilizatória. Uma conquista que demorou milênios, promovida
a muito sangue e sofrimento.
Agora,
Regina, que chegamos aqui, em nosso Brasil, depois de 21 anos de ditadura que
matou, torturou, exilou e roubou (sim, minha querida, a ditadura foi corrupta
do início ao fim), há quem defenda a volta ao passado. Agora, que depois da
Constituição de 88, com nosso estado democrático de direito, com nossa
possibilidade de avançarmos como seres humanos e como nação democrática,
moderna e desenvolvida, com soberania, este movimento com o qual você ombreia
pode fazer tudo voltar ao horror.
E
isto, querida Regina, não combina com a sua elegância e humanidade.
Bjoão
Cuiabá,
20 de abril de 2020.
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