segunda-feira, 20 de abril de 2020

Carta aberta a Regina Kaiser – ou como a elegância se dilui em meio à insanidade



Querida Regina,



Vi uma foto sua na manifestação antidemocrática de domingo (19.04) pedindo volta da ditadura militar e do AI-5. Eu fiquei muito perturbado, Regina. Não que eu não saiba que você é bolsonarista e cultiva desde sempre ideias conservadoras. É que ali vi uma coisa que me fez pensar o quanto pessoas como você se nutrem em meio à insanidade.

Regina, sou seu fã desde 1991, quando a conheci em sua agência no edifício Milão. Fui lá entrevistá-la não me lembro para qual matéria para o jornal A Gazeta. Sabe aquela coisa de se identificar com a pessoa logo de cara e passar a gostar dela de forma gratuita, sem saber o por quê? Então, foi assim que a senti no meu coração.

Você me mostrou uma mulher forte e eu adoro mulheres fortes. Me encanto com essas criaturas que vão à luta, se impõem, matam alguns leões por dia, se transformam em exemplos para as mulheres em geral. Além disso, Regina, você é uma mulher bela e, para mim, o mais atraente, uma mulher muito elegante.

Bela, atraente, elegante e que cultiva um ar pueril próprio das mulheres especiais. Tanto que naquela foto que vi sua em frente ao 44º Batalhão de Infantaria Motorizada você está com a mesma carinha de menina precoce de quase 30 anos atrás quando a vi pela primeira vez.

Regina, nós dois tivemos pouca convivência pessoal. Acho que quase nenhuma. Nossos encontros sempre foram nos âmbitos profissionais. Mas isto não me deixa esconder que você é um ser humano muito especial para mim. Há aqui um carinho e admiração inexplicável. Talvez se explica a gratuidade da atração fraternal, mas também, confesso, da minha “fúria de macho” ante a sua sensualidade imprescritível, como descreve Gullar em um de seus melhores poemas.

Por tudo isto, mas especialmente por ver um contraste imperdoável entre sua elegância e fineza, que foi a mim perturbador ver aquela foto. Na minha ingenuidade incurável, penso que esse tipo de coisa não combina com você. Não sou ingênuo suficiente para não constatar que você fez escolhas – nos ambientes profissional e pessoal – totalmente dissemelhantes às minhas. Não cultivo, nem de longe, a ilusão de que estamos em campos iguais no sentido político-ideológico.

Mas, Regina, ao contrário do que dissemina seu ídolo, a polarização na conjuntura atual não é entre esquerda e direita. O que está em jogo no presente momento é o antagonismo entre a civilização e a barbárie. Há, registrado ao longo da história, posicionamentos de lados e de outros – esquerda, centro, direita e isentões desonestos – pela barbárie e pela civilização.

Portanto, no presente momento da nossa História, há gente de direita e de esquerda, juntos, contra a barbárie. Assim como houve no Brasil e no mundo, gente de esquerda e direita, contra a civilização. Por esta razão, mesmo reconhecendo que você é uma pessoa com posicionamentos políticos, ideológicos e, portanto, de classe, conservadores, reconheço que você é uma mulher humanista e a frente de seu tempo. Eis aí, o contraste, Regina!

Nós vivemos um tempo em que o retrocesso civilizatório está conduzindo pessoas magníficas para um rumo cruel. Toda a delicadeza e encanto de gente como você, Regina Kaiser, se dilui no bojo dessa insanidade. Quero que você saiba que isto causa o mesmo desconforto entre as pessoas que a amam e admiram.

Eu não tenho nada contra quem é de direita. Eu sempre relato a amigos que as pessoas que estão no campo totalmente oposto ao meu no âmbito político-ideológico foram as que mais me respeitaram pessoal e profissionalmente. Por esta razão eu sou um admirador dessas pessoas. O respeito e a admiração são mútuos.

Ser de direita não é sinônimo de ser insensível aos dramas humanos. É claro que essa direita “civilizada” não vai contrariar seus interesses ideológicos, políticos e de classe, especialmente. Porém, esses direitistas civilizados querem o desenvolvimento da sociedade, ainda que nos limites de seus interesses acumulativos.

Vamos a alguns exemplos de posturas humanistas e civilizatórias.

Eu convivi com governadores de direita que tiveram posturas importantes para o desenvolvimento da sociedade mato-grossense. Foi um governador de direita, junto com seu vice idem que deram vazão ao projeto de um professor de esquerda e criaram a nossa Universidade Estadual de Mato Grosso, a gloriosa Unemat. Estou falando de Jayme Campos, Osvaldo Sobrinho e Carlos Maldonado.

Outro exemplo: foi um governador de direita que estabeleceu uma das melhores relações com os povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, respeitando seus territórios, levando melhorias e valorizando sua cidadania. Estou falando de Blairo Maggi. Na mesma linha, tivemos um governador de centro-esquerda que promoveu o maior investimento na humanização de seu aparelho policial e evitando que não houvesse em seus oitos anos uma repressão feroz contra o povo. Falo de Dante de Oliveira.

Contudo, Regina, nesses tempos insanos de ódio, estamos vendo políticos e pessoas comuns do povo pregando a destruição não apenas da nossa democracia, mas especialmente da nossa conquista civilizatória. Uma conquista que demorou milênios, promovida a muito sangue e sofrimento.

Agora, Regina, que chegamos aqui, em nosso Brasil, depois de 21 anos de ditadura que matou, torturou, exilou e roubou (sim, minha querida, a ditadura foi corrupta do início ao fim), há quem defenda a volta ao passado. Agora, que depois da Constituição de 88, com nosso estado democrático de direito, com nossa possibilidade de avançarmos como seres humanos e como nação democrática, moderna e desenvolvida, com soberania, este movimento com o qual você ombreia pode fazer tudo voltar ao horror.

E isto, querida Regina, não combina com a sua elegância e humanidade.

Bjoão

Cuiabá, 20 de abril de 2020.

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